FAXINA E O POVOAMENTO
DO RIO GRANDE DO SUL
Na edição comemorativa de 20 de setembro passado, escrevemos
sobre a influência que Sorocaba exerceu sobre a economia de Faxina/Itapeva.
Agora vamos estudar a outra ponta da Estrada das Tropas: os pampas gaúchos - campos
ou pradarias ricas em gramíneas, onde havia grande quantidade de gado alongado,
“sem dono”, provavelmente fugido de missões jesuítas abandonadas no início do
século 17.
Paulistas de São Vicente, descendo pelo litoral, foram
explorar essa riqueza. A partir de 1772, Laguna tornou-se o primeiro centro de
charqueada do sul do País, exportando em larga escala carne salgada e couro. O
gado era retirado dos pampas com auxílio de índios.
Com a corrida aos garimpos em Minas Gerais e adjacências, no
séc.18, criou-se forte demanda por alimentos e animais de carga, que levou
tropeiros de Sorocaba, Itu, Itapeva, Castro etc. a rumarem aos pampas, onde
muitos deles abriram fazendas. De lá, foram trazidos muares e bovinos em grande
quantidade. Nas idas e vindas, compravam e vendiam, além de gado, tecidos, sal,
medicamentos, fumo, ferramentas, arreamentos (selaria), aguardente, açúcar
mascavo, rapadura, farinha, toucinho, entre outras mercadorias, estimulando, ao
longo das rotas, a abertura de fazendas de engorda (invernadas), pontos de
parada (descanso), estabelecimentos comerciais, formação de povoados e vilas; nestas,
a nomeação de portugueses ou descendentes para cargos civis e militares visavam
garantir a posse do território (havia ameaça de invasão espanhola).
Todavia, os primeiros tropeiros encontraram sério empecilho
para tocar o gado dos pampas até Sorocaba: as rotas então conhecidas, litorâneas,
não ofereciam alimentação suficiente para viagens longas: “O litoral arenoso recobrindo-se de pastagens magras, em geral era
inadequado ao longo trânsito das tropas.” (1)
Como nem o litoral nem as matas fechadas ofereciam alimentos,
foi preciso, então, abrir caminho por onde houvesse gramíneas, encontradas nos chamados
campos, campinas, faxinais – locais com predominância de árvores baixas e
ralas, com insolação suficiente para a brotação intercalada de gramíneas e
outros alimentos. “Fazia-se mister galgar
a serra e alcançar o planalto interior, cujo relevo suave intercalado de áreas
florestais, mas suficientemente curtas, facilitava o transporte da gadaria e
oferecia a alimentação necessária. Em 1728-30, Souza Faria (3) realiza a
primeira etapa deste empreendimento difícil, subindo [do litoral de Santa Catarina] o vale do Araranguá e atingindo, no aIto, os campos
catarinenses de São Joaquim, deles passando aos campos de Lajes e Curitibanos.
Depois, rompendo um trecho de matas, que ficaria conhecido pelo sugestivo nome
de «Caminho da Mata», transpõe o rio Negro (...), achando, nos campos gerais do
Paraná, o caminho natural que levaria às campinas de Sorocaba.” (1)
Em 1730-32, Cristóvão Pereira, militar português que se tornara
sertanista e tropeiro, chegou a Sorocaba com a primeira tropa vinda do sul. “Com a intensificação do tráfego das tropas,
os comerciantes de Sorocaba aprimoram sua trajetória, estabelecendo
comunicações mais diretas com áreas depositárias do gado. Em 1738, Cristóvão
Pereira abre a estrada que, de Lajes, penetra o Rio Grande do Sul pela região
serrana (...), alcançando as pastarias infindáveis das vacarias gaúchas.” (1)
A Estrada das Tropas era tão importante para a economia que
em 1808 mereceu de D. João VI ordem específica para guerrear contra índios
ferozes que atacavam tropeiros, viajantes e fazendas “desde Faxina até Lajes”.
Algumas etnias eram aliadas dos brancos.
Historicamente, comércio tem sido um dos principais
propulsores do desenvolvimento. O comércio tropeiro não foi diferente, por onde
passava animava e vice-versa, como relatado: a nova “estrada de Araranguá (...) marca, porém, o declínio da próspera
Laguna, que perde sua função de intermediária no comércio dos gados.” (1).
Depois, com a abertura da rota por Lajes, “dá-se
novo deslocamento do eixo comercial, em detrimento, desta vez, da estrada de
Araranguá, que progressivamente entra em declínio. Os tropeiros passam a animar
com seu movimento a região serrana.” (1)
Certamente, a disputa entre sesmeiros de Vila Velha e de
Faxina sobre a sede da nova vila, vencida por Faxina, tem tudo a ver com as vantagens
proporcionadas pelo próspero comércio tropeiro.
A região de Faxina foi enormemente favorecida por apresentar
uma enorme vantagem: grande extensão de terras de cerrado, também chamadas de
“terras de campo” ou “faxinais” (predominância de árvores curtas e ralas, intercaladas
de gramíneas).
“Faxina” significa
lenha miúda, gravetos; “faxinal” significa lugar de mato curto. Há vários
“faxinais” no Caminho das Tropas, bem como “campos”, “campinas”, como os
municípios de Faxinal do Soturno (RS); Faxinal (PR). Em Itapeva temos o bairro
rural “Faxinal”. Portanto, a versão que relaciona a palavra “faxina” com a “limpeza”
dos índios do entorno da Vila de Faxina não se sustenta.
Segundo
a Genealogia Tropeira, “boa parte do
elemento humano que povoou a região se deu a partir do tropeirismo. Eram
paranaenses ou paulistas que vieram do Norte, saindo de Sorocaba, Itu ou Itapeva, em São Paulo, ou Curitiba, Castro, Ponta Grossa
e Lapa no Paraná e chegando a Lages em Santa Catarina ou aos campos de Cima da
Serra( Santo Antônio da Patrulha), Vacaria e Lagoa Vermelha no Rio Grande do
Sul, num primeiro momento e, às Missões ou Cruz Alta e Passo Fundo, no Planalto
Médio, num segundo momento”
Eis
alguns faxinenses que foram aos pampas: Cap. José Gonçalves de Oliveira Melo,
nascido em 1819 em Faxina (SP). José da
Silveira Loureiro, natural da Faxina, filho de Bernardo da Silveira e Ana
Loureiro. Cel. João de Deus de Oliveira Melo,
nascido em 1852 no Rincão dos Melo (onde moravam vários faxinenses), em Cruz
Alta (RS), onde morreu; foi casado com Rosalina Silveira Loureiro, nascida em
1858 em Cruz Alta, filha de José Joaquim (da Silveira) Loureiro, nascido na
Faxina (SP) e morto em 1898 em Cruz Alta. Descendem desses faxinenses os
gaúchos: Gen. Raul Silveira de Melo, que foi para o Rio; D. Alonso de Oliveira
Melo, bispo de Diamantina, entre outras figuras de destaque.
(1) “Povoamento do Rio Grande do Sul”, da geógrafa Maria
Luiza Lessa Curtis, disponível da internet, escrita para o Atlas do Rio Grande
do Sul.
Artigo extraído do capítulo História de Itapeva,
do livro DESVENDANDO A LÓGICA DO ENRIQUECIMENTO, de Sebastião Loureiro ***
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