DOLAR BAIXO - ELEIÇÃO - QUEBRA DA AGRICULTURA
A deflação do agronegócio (Folha de S.Paulo de 10/05/06)
PAULO RABELLO DE CASTRO
Vale a pena insistir no tema.O índice de preços por atacado do agronegócio acusa uma variação nos últimos 12 meses acumulada em 13% negativos. A contribuição mais expressiva para esse tremendo recuo de preços no campo é uma deflação da ordem de 18% no segmento "grãos e cereais".
Mas não houve recuo expressivo do preço em dólares dessas commodities. Portanto é predominantemente ao câmbio que se deve atribuir a variação negativa na remuneração desse importante ramo produtivo.
O brasileiro planta para comer e para exportar, gerando as divisas com que importa na mão inversa do comércio internacional. O governo Lula, nas propagandas oficiais que faz de sua administração, canta duas proezas: haver estabilizado o custo da cesta básica e ter batido recordes de exportação. É tudo verdade. Só que o nome do santo não é governo, e sim produtor rural.
O governo Lula, com toda razão, acha que a população que come barato e não vê pressão inflacionária nos supermercados mereceria reeleger o presidente.O milagre da reeleição depende, por assim dizer, do preço do frango, um grande eleitor nacional.
Não será difícil chegar a outubro próximo sob o efeito anestesiante da deflação do agronegócio. Nem é difícil prever que o risco Brasil permanecerá bem-comportado, facilitando a queda dos juros. Lá na frente, porém, uma grande onda se formará com o mesmo ímpeto da deflação de hoje.
E o governo, se reeleito, enfrentará o "contas a pagar" do milagre da cesta básica estabilizada a golpes de câmbio de moeda forte.O produtor rural, enquanto isso, viu secar seu cantil no meio do deserto.
O agravamento da inadimplência já não é mais um problema apenas do devedor. O acúmulo de débitos vencidos e não saldados, desde a safra passada, impõe um grave encurtamento da liquidez nos segmentos industriais fornecedores do agronegócio, a começar pelo parque de máquinas de equipamentos, e também de sementes, fertilizantes e agroquímicos.
Em seguida, veremos a destruição de postos de trabalho e a redução da arrecadação fiscal dos Estados produtores. Gato escaldado, o fornecedor de insumos tem medo de repetir a aposta que fez, ajudando o produtor no ano anterior a refinanciar o plantio da sua lavoura.
O industrial prefere defender agora o restante de sua liquidez, o que agravará as condições de plantio da safra deste ano em 2007.Governo novo, problema velho, no ano que vem.
Já cometemos semelhante engano com o agronegócio várias vezes, sempre às vésperas de eleições importantes: em 1982 (máxi cambial em 83), em 1986 (Plano Cruzado), em 1994 (Plano Real) e em 1998 (máxi cambial, de novo em 99).
Mas jamais, em nenhuma daquelas situações anteriores, o descompasso entre os preços e custos do agronegócio esteve tão flagrantemente elevado. Não se trata apenas de compressão nos preços internos, mas de achatamento da renda líquida, após a dedução dos custos incorridos ou dos gastos projetados.
Só o negócio soja, nos últimos dois anos, perdeu algo como R$ 18 bilhões em renda, equivalendo a um passivo adicional da ordem de R$ 1.000 por hectare plantado.
Impõe-se, por isso, uma reflexão sobre instrumentos de mitigação da crise financeira do agronegócio, de tal sorte que o governo de hoje não se torne carrasco involuntário do governo de amanhã.
Há alternativas interessantes de recomposição da renda disponível. Qualquer uma delas depende da colaboração inteligente da área econômica do governo, sem espírito prevenido contra as idéias novas e caminhos ainda não experimentados.
Atuar sobre o câmbio, com ferramentas de mercado, é essencial. Uma providência imediata é liberar o comercializador exterior da obrigação de conversão de suas divisas para reais. O exportador poderia manter conta denominada em dólares, desde que aplicando, por um período no agronegócio, por meio de qualquer um dos novos instrumentos financeiros autorizados recentemente.
O único caminho a ser evitado é a invocação preconceituosa da falta de talento preditivo do empresário rural, que não teria previsto a indiferença do país em que ele mesmo acreditou.
Paulo Rabello de Castro, 57, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP.
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