sábado, fevereiro 10, 2007

Plebiscitos. O abismo da tentação autoritária
Lucia Hippolito, Blog do Noblat

Plebiscitos e referendos são formas de consulta popular largamente utilizadas em democracias avançadas – e em democracias atrasadas também. Aliás, as ditaduras também lançam mão do instrumento de vez em quando.
Em geral, utiliza-se o plebiscito ou o referendo para consultar a população sobre temas polêmicos, que não são necessariamente políticos.
Assim, divórcio, aborto, eutanásia, casamento entre pessoas do mesmo sexo, anexação ou separação territorial, impostos, sistema eleitoral, sistema de governo, entre outros, são os temas mais freqüentes das consultas populares.
A Constituição de 88 inclui plebiscitos e referendos como formas de participação direta da sociedade no processo legislativo. E no Brasil, como em todas as democracias dignas do nome, a convocação para referendos e plebiscitos é prerrogativa do Poder Legislativo.
Por isso, soa muito estranho o projeto de deputados do PT que querem propor a transferência do poder de convocar plebiscitos, do Congresso para o presidente da República.
Esta é uma opção perigosa. E não se trata deste ou daquele presidente. O Executivo já é muito poderoso. No Brasil, o Executivo é muito mais poderoso ainda. A concentração de poderes nas mãos do presidente da República já é preocupante.
Não há necessidade de hipertrofiar ainda mais o seu poder.
Cabe ao Poder Executivo num sistema presidencialista administrar a máquina pública e implementar seu programa de governo. Ao Legislativo cabe fazer leis e fiscalizar os atos do Executivo.
Mas no Brasil o Executivo legisla – e legisla pesadamente. Uma série de leis é de iniciativa exclusiva do presidente da República. Para não falar das Medidas Provisórias, verdadeira aberração parlamentarista num regime presidencialista.
Quando o Legislativo abdica de sua função de legislar, torna-se presa de todo tipo de armadilha. E o mensalão é apenas uma delas.
Plebiscitos e referendos resultam em leis. Portanto, convocá-los e interpretar seus resultados é tarefa do Legislativo, não do Executivo.
Ninguém desconfia das boas intenções e da índole democrática do atual presidente da República. Não se está imaginando que o presidente Lula, de posse de um instrumento tão poderoso quanto o Bolsa-Família, possa utilizá-lo para tentar direcionar resultados de eventuais plebiscitos.
Não se trata, aliás, de fulanizar a crítica neste presidente. Nunca é demais repetir: entregar ao presidente da República, qualquer um, o poder de convocar plebiscitos e referendos é entregar a alguém que já é muito poderoso, no sistema presidencialista, mais um instrumento de poder.
A tentação populista e autoritária torna-se quase irresistível.
Chama-se a isso tirania.
* * *
A propósito, leia o que diz o jurista Geraldo Ataliba: "No Brasil todos os golpes de estado, revoluções, verdadeiras ou falsas, e crises ocorreram em torno da função legislativa. Pode-se dizer que no Brasil o Executivo não se conforma quando não pode legislar ou, pelo menos, comandar e condicionar o processo legislativo." (AQUI)

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