terça-feira, janeiro 12, 2010

O governo dos negócios

Jânio de Freitas - Jânio de Freitas
Folha de S. Paulo - 12/01/2010


A falta de pudor do governo para impingir a compra do caça francês tem lastro em explícita imoralidade governamental


OS NEGÓCIOS DO governo Lula tendem a marcá-lo tanto ou mais, quando se comecem as verificações dos seus feitos sem a pressão da propaganda louvatória, do que os negócios contrários à moralidade e aos interesses nacionais que tanto atacou. Entre outros, as fraudulentas privatizações da Vale e das telefônicas e a compra do Sivam, Sistema de Vigilância da Amazônia, no governo Fernando Henrique Cardoso.

A insistência na escandalosa compra dos caças franceses Rafale é mais um dos negócios a ficarem para o futuro. A vocação, no entanto, vem do começo.

Até hoje não se sabe que negócios imensos justificavam, de fato, as operações parcialmente conhecidas sob o nome impróprio de mensalão, mas não cabe dúvida quanto a negócios e sua dimensão. Marcos Valério não é "homem de negócios" como tantos, é homem de negócios escusos. Sem compromisso político, não entraria em transações tão altas, com envolvimento pessoal e de sua empresa, se o resultado antevisto não lhe cobrisse todo o grande comprometimento financeiro e florisse em lucros dignos de grandes negócios. Ou negociatas.
Marcos Valério ficou como propulsor do que se encobre sob o mensalão. Não foi mais, porém, do que um agente, um operador. O objeto do negócio só podia estar no governo, uma compensação grandiosa por trás do tráfico de dinheiro, operado por Valério, para o governo Lula amarrar a sua "base aliada". Mas não há negócio escuso com governo em que só o lado de fora seja beneficiário, e não, também, pessoas e grupos de dentro do lado governamental.
O recente caso envolvendo Oi/Telemar/BrTelecom, em que empresários fizeram um multibilionário negócio proibido por lei, mas já certos de que Lula mudaria a Lei de Telecomunicações para favorecê-los, esse fica não só na história do governo Lula, mas na biografia verdadeira de Lula.

O negócio da compra de submarinos franceses, com a participação até da empreiteira Odebrecht (contratada na França para burlar a necessidade de concorrência aqui), está embrulhado em sombras, dólares e euros. Mas o negócio com os caças Rafale fala por si e pelo dos submarinos.

A falta de pudor com que o governo, por intermédio de pessoas do nível de presidente da República e de ministros de Estado, se lança em artimanhas medíocres, umas em seguida às outras, para impingir um negócio que até o mais leigo dos leigos percebe ser absurdo, tem lastro histórico: volta à América Latina e celebra a África nos momentos, em ambas, de mais explícita imoralidade governamental.

E lá se vão, nesse arrastão, até pessoas de quem se podia discordar, mas, até aqui, sem desconsiderar sua respeitabilidade. "O barato sai caro" -se isso é a argumentação que o ministro das Relações Exteriores oferece, em Paris, para a compra dos caças, só se pode deduzir que os motivos de Celso Amorim não são mais do que bajulatórios. À vista de uma pretendida candidatura em que a ajuda de Lula será o fator decisivo.

E que lição insultuosa vem dar à FAB o novo ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Guimarães, com o argumento de que escolher um avião de caça "não é como comprar um automóvel, o preço não pode ser o único determinante" (para o repórter Bernardo Mello Franco). Os meses de estudo da FAB entre os diferentes aviões, os milhares de páginas então produzidos, a ponderação das respectivas contribuições para a futura indústria aeronáutica brasileira, tudo isso foi apenas comparação de preço, como na compra de um carro?

Nessa pequenez pelo menos ficou-se sabendo que o ministro de Assuntos Estratégicos compra carro pelo preço. O que é bem coerente com a "aliança estratégica" que o governo Lula não construiu: compra ao governo Sarkozy, no que talvez venha a ser a maior transação comercial já feita pelo governo brasileiro. Mas "o preço não pode ser o único determinante", porque "o barato sai caro".
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