terça-feira, janeiro 19, 2010

Mudança no Chile

Editorial - Folha de S. Paulo - 19/01/2010

Vitória do conservador Piñera, após 20 anos de centro-esquerda, é novo indicador de maturidade da democracia chilena

I estertores de uma ditadura longa e ultrarrepressiva, a democracia chilena dá reiteradas mostras de maturidade. Um feixe delas está contido na vitória do empresário Sebastián Piñera anteontem, no segundo turno da eleição presidencial.

Democracias maduras apresentam um modo típico de alternância no poder -coalizões partidárias trocam de lado, de tempos em tempos, sem colocar em questão os rumos de políticas fundamentais, como a gestão da economia, das contas públicas e dos programas de bem-estar consolidados. É nessa acepção de mudança, morna mas assentada na solidez da sociedade, que se insere a ascensão de Piñera.

O candidato conservador acabou com duas décadas de hegemonia da Concertação, coalizão liderada pelos partidos Socialista e Democrata Cristão. O bloco de centro-esquerda, formado para defender o vitorioso voto contrário à continuidade do regime de Pinochet no plebiscito de 1988, vinha se beneficiando seja da condução eficiente da economia e das políticas de Estado, seja da falta, aos olhos do eleitor, de um rival comprometido com a modernização democrática do país.

Pela pequena margem de 220 mil votos, em 7 milhões -triunfos eleitorais apertados são outra marca de democracias maduras-, a maioria dos eleitores chilenos chancelou as credenciais da coalizão conservadora para ocupar o Palácio de La Moneda. O desgaste da Concertação decerto favoreceu a vitória de Sebastián Piñera, mas o peso desse fator não pode ser superestimado, ante os 80% de aprovação com que a presidente Michelle Bachelet termina seu governo.

A falta de carisma do ex-presidente Eduardo Frei -postulante da Concertação no domingo- e, sobretudo, o "aggiornamento" da agenda conservadora empreendido por Piñera, foram preponderantes no desfecho. O empresário, um dos mais ricos do Chile, esvaziou as críticas doutrinárias que partiam de seu campo político contra a correção dos exageros privatistas do período Pinochet realizada pela Concertação em temas como Previdência, saúde e educação.

Nessa "repaginação", o líder da Renovação Nacional rompeu tabus da direita chilena, associada às correntes católicas mais conservadoras, ao dizer-se simpático à união civil entre homossexuais e à distribuição gratuita da chamada pílula do dia seguinte. Impediu, ademais, que qualquer vestígio de nostalgia pela ditadura militar aparecesse na campanha -Piñera, ao contrário de ex-pinochetistas de sua aliança, votou contra o ditador em 1988.

Uma mudança quase apenas "de rosto" era o que propunha a campanha de Piñera. É possível que diferenças, em relação ao programa da Concertação, comecem a surgir ao longo do mandato de quatro anos. Dificilmente, entretanto, atingirão os pilares da estabilidade chilena.

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