Mudança no Chile
Editorial - Folha de S. Paulo - 19/01/2010 |
Vitória do conservador Piñera, após 20 anos de centro-esquerda, é novo indicador de maturidade da democracia chilena Democracias maduras apresentam um modo típico de alternância no poder -coalizões partidárias trocam de lado, de tempos em tempos, sem colocar em questão os rumos de políticas fundamentais, como a gestão da economia, das contas públicas e dos programas de bem-estar consolidados. É nessa acepção de mudança, morna mas assentada na solidez da sociedade, que se insere a ascensão de Piñera. O candidato conservador acabou com duas décadas de hegemonia da Concertação, coalizão liderada pelos partidos Socialista e Democrata Cristão. O bloco de centro-esquerda, formado para defender o vitorioso voto contrário à continuidade do regime de Pinochet no plebiscito de 1988, vinha se beneficiando seja da condução eficiente da economia e das políticas de Estado, seja da falta, aos olhos do eleitor, de um rival comprometido com a modernização democrática do país. Pela pequena margem de 220 mil votos, em 7 milhões -triunfos eleitorais apertados são outra marca de democracias maduras-, a maioria dos eleitores chilenos chancelou as credenciais da coalizão conservadora para ocupar o Palácio de La Moneda. O desgaste da Concertação decerto favoreceu a vitória de Sebastián Piñera, mas o peso desse fator não pode ser superestimado, ante os 80% de aprovação com que a presidente Michelle Bachelet termina seu governo. A falta de carisma do ex-presidente Eduardo Frei -postulante da Concertação no domingo- e, sobretudo, o "aggiornamento" da agenda conservadora empreendido por Piñera, foram preponderantes no desfecho. O empresário, um dos mais ricos do Chile, esvaziou as críticas doutrinárias que partiam de seu campo político contra a correção dos exageros privatistas do período Pinochet realizada pela Concertação em temas como Previdência, saúde e educação. Nessa "repaginação", o líder da Renovação Nacional rompeu tabus da direita chilena, associada às correntes católicas mais conservadoras, ao dizer-se simpático à união civil entre homossexuais e à distribuição gratuita da chamada pílula do dia seguinte. Impediu, ademais, que qualquer vestígio de nostalgia pela ditadura militar aparecesse na campanha -Piñera, ao contrário de ex-pinochetistas de sua aliança, votou contra o ditador em 1988. Uma mudança quase apenas "de rosto" era o que propunha a campanha de Piñera. É possível que diferenças, em relação ao programa da Concertação, comecem a surgir ao longo do mandato de quatro anos. Dificilmente, entretanto, atingirão os pilares da estabilidade chilena. |
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