domingo, janeiro 17, 2010

Democracias em crise

Folha de S. Paulo - 16/01/2010

Fraqueza institucional, muitas vezes sob nova roupagem, continua a marcar a vida política de países latino-americanos

POPULISMO , turbulência, ditaduras e caudilhos constituem fenômenos recorrentes na história latino-americana. Não deixa de surpreender, todavia, que no final da primeira década do século o continente ainda seja palco de crises, desmandos e aventuras como as que, em graus variados de intensidade, registram-se em países tão distintos quanto Argentina, Venezuela e Honduras.


Enquanto forças do Exército, transformadas em fiscais de preços, vigiam gôndolas de supermercado em Caracas, a Argentina se torna palco de investidas voluntaristas por parte da presidente Cristina Kirchner. Após suas tentativas de intimidar um jornal oposicionista, pretendeu exonerar o presidente do Banco Central argentino, ferindo o protocolo expresso na Constituição.


Em comum, Venezuela e Argentina vivem situação econômica delicada, que se segue a anos de rápido crescimento.


Índices negativos ou próximos de zero no PIB, inflação elevada, ambiente desfavorável ao investimento privado, dependência extrema de exportações primárias, gestão pública errática e demandas sociais agudas criam uma conjuntura de óbvias dificuldades para os dois países. Seus governantes acentuam, assim, traços providencialistas de comportamento.


Nem a prosperidade do início da década nem a crise atual oferecem, entretanto, explicações suficientes para o subdesenvolvimento político e a tentação autoritária que, com exceção cada vez mais marcante de Brasil e Chile, ainda caracterizam tantos países latino-americanos.


O cientista político argentino Guillermo O'Donnell criou há tempos o conceito de "democracia delegativa", em contraste com a clássica ideia da "democracia representativa". Seria o hiperpresidencialismo, fundado na deterioração do sistema parlamentar e no descrédito das organizações partidárias.


Se, no caso venezuelano, o poder de Hugo Chávez se aproxima do puro caudilhismo, parece generalizar-se, e não só na América Latina, um sistema em que liberdades democráticas coexistem com o providencialismo do presidente, a baixa alternância no poder, a cooptação de Legislativo e Judiciário e a ameaça à liberdade de imprensa.


O processo, que pode encontrar paralelos, por exemplo, na Rússia de Vladimir Putin, não se restringe ao legado típico do populismo sul-americano. O presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, em tudo se afasta do modelo chavista -exceto no seu intento de propor um referendo para assegurar uma segunda reeleição.


De certo modo, é como se o atraso social, econômico e político continuasse a bloquear, em pleno século 21, o acesso de muitas nações à solidez da democracia representativa de massas, que em meados do século 20 já havia se consolidado nos países centrais.

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