quarta-feira, setembro 16, 2009

Sem a proteção do segredo, políticos fariam o que fazem?

Sigilo como vocação

Folha de S. Paulo - 16/09/2009

Há quase um mês Câmara descumpre decisão liminar do STF mandando entregar documentos sobre verba indenizatória

PARLAMENTARES , já diz o nome, são profissionais da palavra. Deveriam falar sempre em nome da população e seus interesses, que afinal representam. No Congresso, entretanto, os discursos sucumbem ao contorcionismo, submetidos como são às tentativas de passar por republicanas vantagens pessoais cuja moralidade não resiste à luz do dia.

Na novilíngua de deputados e senadores, apego ao sigilo vira culto da transparência. Pouco importa se o destinatário da mensagem é o Supremo Tribunal Federal (STF) e seu objetivo, justificar o descumprimento de decisão da Alta Corte. Tal conclusão surge como inevitável diante da recusa das Casas a ceder a esta Folha recibos e notas fiscais comprovando despesas realizadas com a chamada verba indenizatória.

A partir de abril, informações um pouco mais detalhadas sobre os comprovantes passaram a ser publicadas na internet, sob pressão da opinião pública após o escândalo do "Castelogate". Câmara e Senado resistem, contudo, a ceder os documentos do período imediatamente anterior, como solicitado, sob pretexto de preservar o sigilo telefônico e a intimidade dos parlamentares. Ora, a verba em questão existe para custear atividades exclusiva e diretamente relacionadas ao exercício do mandato parlamentar.

Parece incrível, mas tornou-se necessário recorrer à Justiça para forçar o Legislativo a fornecer tais informações -obviamente públicas, pois se referem a gastos efetuados com o dinheiro do contribuinte. Foram impetrados dois mandados de segurança no STF, um para cada Casa. Sobre a Câmara, há decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello, proferida há um mês e ainda descumprida pelo presidente, Michel Temer (PMDB-SP).

A Câmara recorre a dois argumentos para permanecer recalcitrante. Primeiro, que já publica os dados na internet -quando em realidade, antes de abril, só enunciava os gastos totais por rubrica, sem especificar beneficiários dos pagamentos. Depois, que o volume -da ordem de 70 mil documentos, para o período solicitado (setembro a dezembro de 2008)- seria excessivo, o que exigiria mais tempo do que o já transcorrido. Não se dá, contudo, ao trabalho de informar em que prazo pretende fazê-lo.

É indisfarçável o intuito de ganhar tempo para ver apreciado pelo colegiado do STF recurso já apresentado por Temer. Indisfarçável e injustificável, diga-se.
No caso do Senado, alega-se pura e simplesmente o sigilo dos parlamentares. O mandado passa de um ministro para outro do Supremo, sem que se tome decisão alguma. Enquanto isso, o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), afirma que "a mídia passou a ser uma inimiga das instituições representativas" e que o Legislativo sofre ataques porque faz tudo às claras. Cabe lembrar que se trata de Casa onde atos secretos foram descritos apenas como "não publicados".

Parlamentares parecem convictos de que suas palavras significam o que bem entenderem. Já demoram a entender que disso não conseguem convencer a sociedade -nem a Justiça.

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