O Estado de S. Paulo |
Fora dos trilhos |
Dora Kramer |
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, foi comedido ontem ao considerar extremamente difícil que a criação de mais de 7 mil novas vagas de vereadores entre em vigor de imediato, como pretende o Congresso. Em análises mais detalhadas sobre o tema, o ministro vai muito além. Acha absolutamente impossível, e anômala, a execução da emenda antes da próxima eleição municipal (em 2012) e vê na posição do Legislativo um sinal - entre muitos - de que reina a desordem no modelo Eleitoral e na maneira como as instituições têm tratado das relações entre representantes e representados. Gilmar Mendes aponta os erros do Parlamento, mas indica também os equívocos cometidos no Judiciário, no Ministério Público e manifesta perplexidade pela forma como o Executivo se impõe ao Legislativo e a facilidade com que este se submete. Da forma como está estruturado o poder de mando, o alinhamento político prevalece sobre regras e prerrogativas formais, o que dificulta - quando não impede - a interlocução institucional. Seria um exagero dizer que o ministro acha que o ambiente é de vale-tudo. Mas seguramente é possível afirmar que, na visão dele, se não houver um freio de arrumação, chega-se lá com relativa rapidez e facilidade. E por que a PEC dos Vereadores serve de exemplo da desorganização que se generaliza? Simplesmente pelo absurdo contido na proposta do Congresso: a alteração da composição das Câmaras Municipais eleitas em 2008. Porque não se trata meramente de abrir novas vagas para vereadores, convocando os suplentes. Se a questão fosse só a ampliação do mercado de trabalho dos cabos eleitorais municipais remunerados pelo poder público, já seria grave. Mas as implicações vão muito além. Como serão refeitos os cálculos de proporcionalidade para a redistribuição das vagas, haverá vereadores com mandato que simplesmente serão cassados. Isso mexe em todo o processo Eleitoral e também nos efeitos dos atos daqueles vereadores. Por exemplo, as leis aprovadas com os votos de quem, pelo novo cálculo, não teria direito à cadeira. É, em última analise, uma subversão da regra do jogo atual e, portanto, do resultado da eleição. A essa supremacia da vontade sobre a norma geral e a racionalidade é que se dá, numa tradução livre do pensamento do presidente Gilmar Mendes, o nome de vale-tudo. Por analogia, pode-se, então, enquadrar no mesmo cenário de desordem as decisões da Justiça Eleitoral de cassação de governadores por crimes eleitorais e a decisão de dar posse ao segundo colocado. Na opinião de Gilmar Mendes, o melhor seria convocar novas eleições, mas o mais correto mesmo, o ideal, seria a reformulação completa do modelo de exame dessas questões de abuso de poder, uso da máquina e outras infrações cometidas no processo Eleitoral. As medidas teriam de ser preventivas. No curso da campanha, no ato das infrações e, no máximo, no período entre a eleição e a posse. O que não pode é, de repente, se dizer que quem perdeu a eleição ganhou o cargo. Inclusive porque nada garante que o segundo lugar não tenha cometido as mesmas, ou piores, ilegalidades. Mas ninguém presta atenção em ações contra os perdedores e os processos contra os eleitos andam mais rápido. Ainda assim, tramitam lentamente em relação ao tempo da realidade. Aí entram não apenas a Justiça Eleitoral, mas também o Ministério Público e todo aparato de fiscalização que, segundo o presidente do STF, teria de ser reformulado. Para propiciar avanços efetivos, como foi o caso do voto eletrônico. Seria difícil, parecia impossível e, no entanto, pouco a pouco se implantou um sistema reconhecida e comprovadamente eficaz. O que não é razoável é cassar vários governadores e considerar que isso está adequado à democracia. Mas é razoável o presidente da República fazer campanha Eleitoral aberta fora do prazo e a Justiça Eleitoral julgar que as ações são lícitas? O presidente do Supremo acha que não é. Mas sem detalhar muito sua posição, a fim de não entrar em conflito com o Tribunal Superior Eleitoral, que recentemente desconsiderou uma ação da oposição contra o uso da máquina federal pelo presidente para fins eleitorais. O presidente Lula atua na franja da dubiedade e o tribunal não enfrenta essa questão. Por falta de coragem? Acho que mais por falta de uma penalidade intermediária que não implicasse uma solução radical como a cassação da candidatura. Nesse caso haveria dois pesos e duas medidas no tratamento dado a autoridades de maior ou menor importância? Justamente para evitar isso é que o ordenamento das regras e das atitudes precisa estar muito claro, a fim de que todos saibam seus limites, e mais importante numa democracia jovem, dada a experimentos: que sejam respeitados. |
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