sábado, abril 21, 2007

Quando começa a vida?
Veja, por Diego Escosteguy e Ricardo Brito

Em seus quase dois séculos de história, o Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte brasileira, nunca havia convocado uma audiência pública. Na sexta-feira passada, aconteceu a primeira, quando 22 especialistas em áreas como genética, bioquímica, neurociência e biomedicina compareceram a um auditório lotado do tribunal para tentar responder a uma pergunta à qual a humanidade jamais encontrou uma resposta única: quando começa a vida humana? Começa no momento em que o espermatozóide fecunda o óvulo, como defende a professora Claudia Batista, doutora em neurociência da Universidade Federal do Rio de Janeiro? Ou quando o óvulo fecundado adere à parede do útero, como quer o neurofisiologista Luiz Eugênio Mello, da Universidade Federal de São Paulo? Ou será que a vida começa quando aparecem as primeiras terminações nervosas que resultarão no cérebro, como advoga a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo? O debate no STF durou o dia inteiro e, naturalmente, não chegou a um consenso, mas ajudou a jogar um pouco de luz sobre uma das questões mais profundas da filosofia: a gênese da vida.
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O Supremo está numa posição desconfortável e estranha", avalia o filósofo Roberto Romano, professor de ética da Universidade Estadual de Campinas. "Terá de adentrar um árido debate filosófico e moral que nem mesmo os grandes pensadores da humanidade conseguiram chegar perto de resolver." Antes mesmo de responder sobre o início da vida, há que definir o que se entende por "vida".
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É aparentemente paradoxal, mas o avanço do conhecimento humano, em vez de facilitar o entendimento sobre o começo da vida, tornou-o mais complexo.
Na Antiguidade, a filosofia grega, de modo geral, não se preocupava com a passagem do tempo nem, portanto, com a origem ou o começo da vida. Aristóteles foi um dos poucos a tentar explicar essa gênese, ao elaborar a teoria da "animação mediata", pela qual a alma se juntaria ao corpo semanas após a concepção. A idéia foi adotada tempos depois pelo cristianismo, que a manteve como dogma por longo tempo. Para a medicina, o período entre a concepção e o nascimento também era um grande mistério. Apesar disso, o pai da medicina, o grego Hipócrates, pregava que não se podiam ministrar remédios que pudessem matar o bebê em gestação – o que sugere que, para ele, a vida começava no momento da concepção.
Com o Renascimento, a partir do século XV, tudo muda. Galileu Galilei e Isaac Newton revolucionam a física, a Igreja perde força e o estudo da origem do homem floresce. O primeiro a perceber isso foi o filósofo francês René Descartes, no século XVII, que proclamou: "Penso, logo existo" – e a vida, formulada assim, passou a ter uma íntima conexão com o raciocínio, com a consciência.
Nos séculos seguintes, com a invenção do microscópio e os primeiros registros científicos da fecundação, até a Igreja Católica mudou sua idéia de que a vida tinha início quando o feto começava a se movimentar dentro da barriga da mãe. Passou a identificar a criação no momento da concepção.
No decorrer do século XX, o avanço da genética e da biologia complicou de vez a clareza sobre o entendimento dessa gênese. A manipulação de embriões humanos e as descobertas das diferentes etapas do desenvolvimento do feto criaram novos desafios tanto para a ciência e a filosofia quanto para a religião e o direito. Quanto mais nuances a ciência identifica na gestação do ser humano, mais difícil se torna o debate. LEIA MAIS

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