AS ATRIBULAÇÕES DE UM CATÓLICO QUE PERDEU A FÉ NA ADOLESCÊNCIA E A REENCONTROU TRÊS DÉCADAS DEPOIS
João Sayad, na revista Piauí
João Sayad, na revista Piauí
"Aos oito anos, entrei para o catecismo, ensinado numa casa antiga ao lado da Igreja de São Domingos, no alto das Perdizes, em São Paulo. A professora ensinou pouco. Disse que Deus é eterno, onipotente e onisciente, criador do céu e da terra. E Jó? E o meu amigo que perdeu o filho tão cedo? E o corrupto que ficou rico? E a injustiça que o compositor Antonio Salieri achava que Deus tinha feito com ele, ao dar tanto talento para Mozart? Ela nada disse sobre a justiça divina e a liberdade humana. Mas falou que Deus criou Adão e Eva e nos deu os Dez Mandamentos, que tive que decorar, assim como decorei os mandamentos da Igreja, os pecados veniais e os sete sacramentos, aprendidos para poder fazer a primeira comunhão.
Ganhei uma folha de papel onde estava desenhado um terço, as contas em branco. A cada sacrifício que oferecesse para Deus — não fazer alguma coisa de que gostasse ou fazer alguma coisa difícil em benefício de alguém, tinha que pintar uma das contas do terço. Pintei todas. O catecismo se destina a crianças de oito anos. Passei dos oito e não me ensinaram mais nada do catolicismo. Somos muitos os católicos infantilizados.
O resultado imediato às aulas de catecismo foi não reagir mais aos tapas e pontapés, nas brigas comuns entre meninos. Deixava o corpo mole, apanhava e oferecia a outra face, de acordo com as lições recebidas. Meus pais me proibiram de não reagir.
O catecismo era para valer ou eu não havia entendido direito? Foi a primeira contradição. Minha filha mais velha sofre do mesmo defeito congênito. Ela sempre levou muito a sério tudo o que eu lhe ensinava.
Eu levava tudo a sério, particularmente a idéia de salvação e a de vida eterna. Perguntei a meu pai o que ele fazia durante a missa. Fazia contas, respondeu. Talvez sobre os seus negócios. Era dono de uma loja de armarinhos, por atacado, na Rua 25 de Março. Como podia ser tão displicente? Iria para o inferno? Por que não dava atenção à eternidade? AQUI
Marcadores: Religião
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