'Após o fim da miséria, desafio será a ascensão'
Para Ricardo Paes de Barros, governo deve incentivar crescimento constante
Economista afirma que a desigualdade caiu no Brasil graças à constante inovação nas políticas sociais do país
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DE BRASÍLIA, folha de sãopaulo
Economista afirma que a desigualdade caiu no Brasil graças à constante inovação nas políticas sociais do país
A erradicação da miséria cadastrada é um "ativo incrível" para o país
-mas o governo simplificou conceitos ao anunciá-la. A opinião é de
Ricardo Paes de Barros, 58, considerado internacionalmente um dos mais
importantes formuladores de políticas públicas contra a desigualdade.
Servidor do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão
ligado à Presidência da República, ele participou e continua
participando decisivamente dos desenhos de programas sociais pensados
tanto por governos tucanos quanto petistas -Bolsa Família incluso. Hoje,
está na Secretaria de Assuntos Estratégicos da presidente Dilma
Rousseff.
Em entrevista à Folha, Paes de Barros defende o que ajudou a
construir, sem no entanto deixar de problematizar o estabelecimento de
linhas de miséria e o não reajuste delas.
Em fevereiro, o governo anunciou um complemento de renda para que os
últimos 2,5 milhões de inscritos no Cadastro Único (banco de dados de
famílias de baixa renda) com renda mensal abaixo de R$ 70 -considerada a
linha da miséria- saiam da extrema pobreza. A seguir, trechos da
entrevista.
Folha - Em que medida o fim da pobreza no cadastro reflete a erradicação da pobreza real?
Ricardo Paes de Barros - A pobreza é um negócio dinâmico. É como o
desemprego: tem uma entrada a todo o momento e uma saída da pobreza a
todo o momento. Não há nenhum país do mundo que possa dizer: "Hoje, eu
não tenho nenhum pobre", porque sempre vai ter alguém que acabou de se
separar, perder o emprego, ficar doente.
Qual a dimensão histórica do anúncio da semana passada?
Essa é mais uma medida numa sequência e não vai ser a última. Porque a
pobreza, extrema pobreza, e várias outras questões sociais, vão
perturbar a sociedade brasileira o tempo todo. Se vencermos essa pobreza
estrutural, teremos agora que partir para essa pobreza mais volátil.
Acho que o que surpreende no Brasil da última década não é a queda na
desigualdade e na pobreza. É o fato de que essa queda aconteceu todo
ano.
Uma pessoa que passou a ganhar R$ 72 deixou a miséria?
Ninguém sabe onde exatamente começa a miséria, mas acho que ninguém
chutaria muito mais do que R$ 100 e ninguém ia chutar alguma coisa perto
de R$ 50. Então R$ 70 não é um número absurdo. Acho que o que importa
no Brasil é dizer assim: "Ninguém neste país ganha menos do que R$ 70".
Amanhã, vamos garantir que ninguém ganhe menos do que R$ 80 e, depois de
amanhã, vamos garantir que ninguém ganhe menos do que R$ 90. Depois,
menos de R$ 100. Porque a gente sabe que miséria é relativa. Imagine um
R$ 70 na região metropolitana de São Paulo. É completamente diferente de
R$ 70 em Jordão, no Acre.
Essa linha não deveria ser corrigida pela inflação?
Certamente. Você dizer que R$ 70, ontem e hoje, é a mesma coisa não faz
sentido. Agora, não indexar [a linha] dá à sociedade controle sobre o
Bolsa Família. Se, no limite, você inventasse uma indexação no salário
mínimo, na taxa de crescimento do PIB por trabalhador, a sociedade iria
estar presa a um programa onde ela perdeu o controle.
Mas não soa falso dizer que em 2009 miséria é R$ 70 e que em 2013 miséria é R$ 70 ainda?
Acho difícil a argumentação de que a pobreza num ano é R$ 70, num outro
ano é R$ 70 também e que você não está medindo uma pobreza diferente no
outro ano. A questão é encontrar o equilíbrio entre regras de
atualização e não congelar o programa.
Até que ponto o Cadastro Único é fiel à realidade?
O final da história é saber o seguinte: programas com base no cadastro
estão bem focalizados? As pesquisas demonstram que programas que usam o
Cadastro Único acabam beneficiando prioritariamente os pobres.
Em parte o cadastro precisa melhorar, em parte ele é excepcional. Um
serviço feito pelo cadastro é dizer quem está dentro e quem está fora. E
esse trabalho foi muito bem feito. Se você, dentro do cadastro,
escolhesse aleatoriamente um cara para dar o Bolsa Família, você ia
acertar com altas chances.
O que explica a contínua queda da miséria no país?
A primeira coisa é entender que só 20%, 25% disso é Bolsa Família. O
restante é um conjunto de políticas que o governo fez quase que todo
mês, toda semana. Inclusive seria bom que a gente soubesse o impacto
desses programas e a gente não sabe.
Qual a diferença do governo tucano para o governo petista ao fazer política social?
Nos governos, o PSDB tinha talvez uma ideia de que a pobreza era uma
coisa complexa, multidimensional, e só dar renda para as pessoas não
funcionava, ou seja, que precisava de uma política bem sofisticada etc.
Quando entra o presidente Lula, ele entra com uma coisa do tipo:
"Pobreza é uma coisa trivial, é ridículo, qualquer R$ 10 na mão do pobre
faz uma tremenda diferença, vamos parar com isso, qualquer coisa serve e
o que não servir depois a gente muda".
De repente você abre uma frente enorme, que não tem necessariamente uma
grande arquitetura lógica. A gente todo dia faz uma política de combate à
pobreza, essas políticas vão sendo acumuladas e a pobreza vai caindo.
O governo do PT então não é o único responsável pela queda na pobreza?
Claro. A desigualdade começa a despencar no ano 2000. Quer dizer, três
anos antes do governo Lula ela despenca e cai à mesma velocidade que ela
cai depois de 2003 [quando o PT chega ao poder]. E muitas dessas ações
têm uma defasagem -você faz hoje e o seu impacto é três, quatro anos
depois. Acho que a grande vantagem do Brasil é que tanto o governo do PT
quanto o governo do PSDB sempre tiveram um comprometimento total [com o
combate à pobreza].
Qual deve ser o próximo gargalo a ser atacado para diminuir a desigualdade?
Acho que o grande legado desses dez anos é um conjunto de brasileiros
que abandonou uma estratégia de sobrevivência e passou a olhar para
frente. É o cara que parou de pensar: "Será que vou ter comida amanhã?" e
passou a perguntar para o filho: "Você fez o dever de casa de hoje?".
O grande desafio para a frente é o fortalecimento desses mecanismos de
ascensão. Como eu, governo, promovo um ambiente meritocrático que induza
o povo a se esforçar e pensar que eles vivem numa sociedade em que o
cara que tem talento e botar esforço vai lá para cima?
E não adianta o cara estar muito bem preparado se o ambiente econômico
não é um em que você tem grandes talentos, mas não bons postos de
trabalho. Tirar o cara lá da superpobreza você faz sem grandes
investimentos.
Daqui para frente, se você não tiver investimentos em capital físico,
seja público seja privado, não tem política social que vá dar jeito.
Acho que o grande desafio está aí.
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