Blog do Ricardo Noblat
4.11.2009
12h08m
Deu em O Estado de S. Paulo
O 'autoritarismo popular' de Lula (Editorial)
O venezuelano Hugo Chávez é um tipo rudimentar. O brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva não é. Chávez, que impôs ao seu país a reeleição ilimitada, diz não entender por que um presidente "que governa bem e tem 80% de aprovação" não pode disputar um terceiro mandato consecutivo, como se as regras da ordem democrática devessem variar conforme o desempenho dos governantes e os seus índices de popularidade.
Lula, que, em parte por convicção, em parte por um cálculo do custo-benefício da aventura reeleitoral, recusou a possibilidade, acredita que pode chegar aonde quer por outros meios, mais sofisticados do que é capaz de conceber a mentalidade tosca do coronel de Caracas.
Trata-se da criação de um novo e presumivelmente duradouro bloco de controle da máquina estatal, da manipulação desabrida de um sistema político desvitalizado e da exploração incessante do culto à personalidade do líder, para que a adulação da massa legitime os seus desmandos e intimide a oposição. É a construção do que o ex-presidente Fernando Henrique denomina "autoritarismo popular" - um acúmulo de transgressões e desvios que "vai minando o espírito da democracia constitucional", como adverte no artigo Para onde vamos?, publicado domingo neste jornal.
Esse processo de erosão das instituições e procedimentos é tão mais temível quanto menos ostensivo e menos expresso em atos de violência política crassa, à maneira do que Chávez faz na Venezuela para quebrar a espinha da democracia no seu país. A lógica dos objetivos não difere - "a do poder sem limites", aponta Fernando Henrique -, mas o método, no Brasil do lulismo, é insidioso.
Por isso mesmo, "pode levar o País, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com nossos ideais democráticos".
No interior do governo, Lula aninha uma burocracia sindical que se apropria sistematicamente do mando dos gigantescos fundos de pensão das estatais, os quais, por sua vez, têm assento nos conselhos das mais poderosas empresas brasileiras.
Forma-se assim uma intrincada trama de interesses que se respaldam reciprocamente, não raro em parceria com empresários que conhecem o caminho das pedras - "nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas", diz Fernando Henrique -, fundindo-se "nos altos-fornos do Tesouro".
Isso dá ao presidente um poder formidável sobre o Estado nacional que extrapola de longe as suas atribuições constitucionais. É uma espécie de volta, em trajes civis, ao regime dos generais.
No trato com o Congresso, Lula faz os pactos que lhe convierem com tantos Judas quantos estiverem dispostos a servi-lo para se servirem dos despojos da administração federal, enquanto a oposição balbucia objeções que dão a medida de sua irrelevância.
"Parece mais confortável", acusa o ex-presidente, "fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes." Mais confortável porque mais seguro. São raros os políticos oposicionistas que não se deixam acoelhar pelas pesquisas de opinião que mantêm Lula nas nuvens e que o aparato de comunicação do Planalto, sob a sua batuta, não cessa de exacerbar - daí a pertinência do termo "culto à personalidade".
Desde a derrota de 2006, o PSDB de Fernando Henrique praticamente desistiu de expor as responsabilidades pessoais do adversário vitorioso pela autocracia em marcha no País. Os pré-candidatos tucanos José Serra e Aécio Neves, por exemplo, medem as palavras quando falam de Lula, decerto receando que ele possa fazê-las se voltarem contra eles mesmos junto ao eleitorado que o venera. Mesmo na condenação à campanha antecipada da ministra Dilma Rousseff, a oposição parece comportar-se como se estivesse "cumprindo tabela".
Lula não precisa tomar emprestada a borduna de Hugo Chávez para ditar os modos e os caminhos da evolução da política nacional. "Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados", descreve Fernando Henrique, "eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições."
4.11.2009
12h08m
Deu em O Estado de S. Paulo
O 'autoritarismo popular' de Lula (Editorial)
O venezuelano Hugo Chávez é um tipo rudimentar. O brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva não é. Chávez, que impôs ao seu país a reeleição ilimitada, diz não entender por que um presidente "que governa bem e tem 80% de aprovação" não pode disputar um terceiro mandato consecutivo, como se as regras da ordem democrática devessem variar conforme o desempenho dos governantes e os seus índices de popularidade.
Lula, que, em parte por convicção, em parte por um cálculo do custo-benefício da aventura reeleitoral, recusou a possibilidade, acredita que pode chegar aonde quer por outros meios, mais sofisticados do que é capaz de conceber a mentalidade tosca do coronel de Caracas.
Trata-se da criação de um novo e presumivelmente duradouro bloco de controle da máquina estatal, da manipulação desabrida de um sistema político desvitalizado e da exploração incessante do culto à personalidade do líder, para que a adulação da massa legitime os seus desmandos e intimide a oposição. É a construção do que o ex-presidente Fernando Henrique denomina "autoritarismo popular" - um acúmulo de transgressões e desvios que "vai minando o espírito da democracia constitucional", como adverte no artigo Para onde vamos?, publicado domingo neste jornal.
Esse processo de erosão das instituições e procedimentos é tão mais temível quanto menos ostensivo e menos expresso em atos de violência política crassa, à maneira do que Chávez faz na Venezuela para quebrar a espinha da democracia no seu país. A lógica dos objetivos não difere - "a do poder sem limites", aponta Fernando Henrique -, mas o método, no Brasil do lulismo, é insidioso.
Por isso mesmo, "pode levar o País, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com nossos ideais democráticos".
No interior do governo, Lula aninha uma burocracia sindical que se apropria sistematicamente do mando dos gigantescos fundos de pensão das estatais, os quais, por sua vez, têm assento nos conselhos das mais poderosas empresas brasileiras.
Forma-se assim uma intrincada trama de interesses que se respaldam reciprocamente, não raro em parceria com empresários que conhecem o caminho das pedras - "nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas", diz Fernando Henrique -, fundindo-se "nos altos-fornos do Tesouro".
Isso dá ao presidente um poder formidável sobre o Estado nacional que extrapola de longe as suas atribuições constitucionais. É uma espécie de volta, em trajes civis, ao regime dos generais.
No trato com o Congresso, Lula faz os pactos que lhe convierem com tantos Judas quantos estiverem dispostos a servi-lo para se servirem dos despojos da administração federal, enquanto a oposição balbucia objeções que dão a medida de sua irrelevância.
"Parece mais confortável", acusa o ex-presidente, "fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes." Mais confortável porque mais seguro. São raros os políticos oposicionistas que não se deixam acoelhar pelas pesquisas de opinião que mantêm Lula nas nuvens e que o aparato de comunicação do Planalto, sob a sua batuta, não cessa de exacerbar - daí a pertinência do termo "culto à personalidade".
Desde a derrota de 2006, o PSDB de Fernando Henrique praticamente desistiu de expor as responsabilidades pessoais do adversário vitorioso pela autocracia em marcha no País. Os pré-candidatos tucanos José Serra e Aécio Neves, por exemplo, medem as palavras quando falam de Lula, decerto receando que ele possa fazê-las se voltarem contra eles mesmos junto ao eleitorado que o venera. Mesmo na condenação à campanha antecipada da ministra Dilma Rousseff, a oposição parece comportar-se como se estivesse "cumprindo tabela".
Lula não precisa tomar emprestada a borduna de Hugo Chávez para ditar os modos e os caminhos da evolução da política nacional. "Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados", descreve Fernando Henrique, "eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições."
4 Comments:
Nossa!!! Pior que ciúme de ex mulher, é ciúme de ex presidente, FHC não suporta a idéia de que o "bronco" Lula em fim de mandato goze de uma popularidade na casa dos 70%, e ele com todo o seu currículo intelectual não conseguiu esta façanha.Talvez FHC imaginasse que Lula não sobrevivesse nem ao primeiro mandato, mas ele e todo o Tucanato quebraram a cara.
Saibam demotucanos de Itapeva e adjascencias que o discurso do FHC,o Farol de Alexandria, quando divulgado na imprensa do PIG fez comparações entre o seu desgoverno e o elevado grau de popularidade do LULA.É claro que foi mais um tiro no pé dos tucanos que inclusive não queriam esse tipo de comparação que irá certamente prejudicá-los na disputa de 2010.
FHC começa, finalmente, a ser preterido e renegado por seu próprio partido, o qual tenta manter sob seu controle desde que deixou a Presidência. Vinha sendo bem sucedido até então, apesar do ônus que impôs a José Serra e a Geraldo Alckmin (SP), respectivamente nas eleições presidenciais de 2002 e 2006 – em que, pesando como uma pedra no lombo dos candidatos peessedebistas, colaborou sobremaneira para o duplo naufrágio. Nesta semana, porém, o PPS do camaleônico Roberto Freire (PE) impôs como condição ao apoio a Serra na próxima corrida ao Planalto que o PSDB se desvencilhe do fardo FHC. Ele acusou o golpe.
Pesado fardo tucano: Um réquiem para FHC
O texto do ex-presidente tucano, publicado no domingo, revela um erro de cálculo político sem precedentes. Contrariando seus aliados, que desejavam vê-lo distante da campanha do PSDB em 2010, FHC trouxe para o próximo pleito a comparação entre as políticas de seu governo e as do governo Lula: a única polarização que a direita não queria. Imaginando-se um estrategista, virou um fardo pesado para as possíveis candidaturas de José Serra e de Aécio Neves.
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