Brasil, ex-República
Amanhã, 14 de julho, comemora-se na França e mundialmente a Tomada (ou Queda) da Bastilha, evento que simboliza a vitória da Revolução Francesa, em 1789, que derrubou a monarquia e levou à instituição da Primeira República francesa.
Alguns anos antes, em 1776, no mesmo mês de julho mas no dia 4, ocorrera a Declaração da Independência americana e a instituição do regime republicano no novo país que se criava.
É notória a influência de pensadores franceses, em particular Montesquieu e suas idéias a respeito da separação dos poderes, sobre os “Founding Fathers” da revolução e da república americanas. Outra inspiração dos americanos foi Rousseau (que era franco-suíço).
Também na França ambos, Rousseau e Montesquieu (bem como Voltaire, Diderot e outros iluministas), forneceram o embasamento do novo regime republicano.
Tudo isso para lembrar que a constituição do Estado republicano moderno inclui, intrinsecamente, a existência de três poderes independentes entre si: o Executivo, que gerencia o dia-a-dia, o Legislativo, que vigia o Executivo e estabelece as normas para o funcionamento do Estado, e o Judiciário, voltado para a resolução de conflitos e a distribuição de punições em caso de descumprimento do arcabouço legal definido pelo Legislativo.
O Brasil define-se como “República Federativa”. Se examinada sob o ponto de vista formal, nossa Constituição estabelece a independência entre os três poderes e as funções de cada um deles.
Contudo, será que isso se verifica na prática?
É notório que não. Contrariamente ao que a Constituição define, o Legislativo brasileiro se transformou em coadjuvante do poder Executivo.
Por meio do mecanismo de nomeações de pessoas para ocupar os chamados “cargos de confiança” em órgãos da administração, o Executivo coopta uma quantidade suficiente de parlamentares para assegurar uma maioria (a chamada “base de apoio”) e, a partir disso, nada de braçada.
O fundamento da negociação que se estabelece entre o Executivo e o Legislativo para “garantir a governabilidade” se divide em dois pontos fundamentais: 1) O Legislativo não deve fiscalizar o Executivo; 2) e o Legislativo deve abrir caminho para a promulgação de matérias do interesse do Executivo.
Em outras palavras, em troca de cargos na administração, os partidos políticos da “base” impedem que as Casas legislativas fiscalizem o Executivo e aprovam os projetos de lei oriundos do governante. Conforme demonstrado em relatórios da Transparência Brasil realizados no âmbito do projeto Excelências, nas principais Casas Legislativas brasileiras é altíssima a porcentagem de Projetos de Lei (incluindo-se Medidas Provisórias) de iniciativa do Executivo que são aprovados, em contraste com iniciativas dos próprios parlamentares.
Esse é um padrão que se verifica não só na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, mas também nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores.
Ao se tornar cada vez menos relevante, a atividade legislativa deixa de atrair interessados de melhor qualidade, abrindo espaço para caçadores de renda. Isso explica a sucessão de escândalos que atinge o Legislativo.
Embora a imprensa brasileira tenda a cobrir preferencialmente Brasília, descuidando do que acontece no plano local das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, o panorama nestas Casas é idêntico: desmandos, ilegalidades, favorecimentos, nepotismo e tantas outras mazelas são tão comuns (ou mesmo mais comuns) quanto no Senado e na Câmara dos Deputados.
Isso se reflete naquilo que a Transparência Brasil apontou recentemente como a presença de uma crise institucional, em que a população deixou de depositar confiança no poder Legislativo e nos políticos, e passou a considerar o ato de votar em parlamentares como algo irrelevante.
No Brasil, usa-se com demasiada facilidade essa expressão “crise institucional”.
No caso, não há exagero ou descuido: estamos, sim, em meio a uma grave crise institucional.
O regime brasileiro deixou de ser uma República, tendo se transformado num absolutismo disfarçado.
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