Economia brasileira: credibilidade ameaçada, por Raul Velloso
Raul Velloso, O Globo
Credibilidade é
tudo em economia. A nossa foi gradualmente dilapidada ao longo de várias
“décadas perdidas”, e agora estamos diante de uma nova ameaça.
Enfrentamos a crise da dívida de 1982 praticamente sem dólares no caixa,
deixamos a situação social se deteriorar, e finalmente chegamos à
hiperinflação. Até bem pouco, assim, a percepção externa era de que o
Brasil estava preso num labirinto, sem chances de encontrar uma saída
racional.
De 1995 a 2008, o quadro mudou radicalmente, pois
domamos a inflação instituindo o tripé metas de inflação/superávits
fiscais altos/câmbio flutuante e passando a controlar a dívida pública;
reduzimos consideravelmente os índices de pobreza; e, sem recursos
públicos, colocamos em prática um modelo de expansão dos serviços
públicos baseado fortemente no capital privado.
Graças a isso, o crescimento sustentável do PIB passou de 2,7% para algo ao redor de 5% ao ano.
Há
várias áreas problemáticas da atuação pública que ainda precisam ser
azeitadas, algo que demandará bastante tempo. Temos sido incapazes de
realizar uma reforma administrativa com letras maiúsculas, e, assim, uma
área crítica é a de administração e gestão.
O problema previdenciário tende a se agravar consideravelmente nos próximos anos. Ou seja, há muito o que reestruturar.
Enquanto
a produção industrial do mundo inteiro desabava com a crise de
2008/2009 e até hoje muitos continuam abaixo do pico prévio, a do Brasil
caía igualmente, mas fomos campeões em recuperá-la ao nível prévio em
apenas um ano.
Já em 2010, o PIB passava a crescer a 7,5%,
deixando o mundo perplexo. Dobraram, assim, as apostas no Brasil como um
dos principais destinos para investimento estrangeiro. Parecia que a
crise, em que pese sua gravidade, não fora capaz de abalar a
credibilidade construída ao longo da década precedente.
Só que, de
lá para cá, tudo parece mudar no sentido oposto, criando-se rapidamente
uma nova percepção desfavorável sobre o Brasil no exterior. As análises
sintetizam a deterioração do quadro econômico com a constatação de que,
apesar das promessas de algo melhor, o PIB só cresceu 2,7% em 2011 e
deve crescer apenas 1% em 2012, longe dos 5% que parecia ser a taxa
sustentável.
E, em adição, há cinco trimestres a razão
investimento global/PIB só cai, depois de longo período em que subia
seguidamente. Em parte, esse desempenho se explica pela desabada da
produção (e talvez do investimento) industrial que, desde a rápida
recuperação inicial pós-crise, só cai, em que pese medidas de apoio e a
desvalorização do real.
Além disso, os resultados fiscais,
computados sem manobras contábeis, vêm caindo sistematicamente, embora
sem por em risco, ainda, a trajetória declinante da razão entre a dívida
pública e o PIB.
E no setor de serviços, por que os investimentos
não crescem mais? Ali, maiores rentabilidades seriam garantidas por
demanda crescente e impossibilidade de importar. Nesse caso, contudo,
sujeito a forte intervenção governamental, o ambiente de negócios para o
setor privado em geral vem se tornando crescentemente desfavorável,
diante da transição, que vem sendo posta em prática desde 2003, para um
modelo de expansão que pode ser caracterizado como de capitalismo de
estado, após a escalada liberal da era FHC.
Por essa visão, que
guarda um certo paralelismo com o movimento antiliberal que se esboça no
mundo desenvolvido em crise (veja, a propósito, o artigo de Dani Rodrik
no “Valor” de 10/01/13), o ideal seria o próprio Estado atuar
diretamente em vários segmentos da área de serviços, e oferecer os
menores preços imagináveis para a sociedade.
Sem recursos,
busca-se, alternativamente, um certo compadrio com segmentos do setor
privado. Nesse esquema, o governo exige que o concessionário do serviço
público cobre a menor tarifa imaginável pela prestação de serviços, em
troca de empréstimos oficiais subsidiados e outras benesses que atenuem
os efeitos deletérios sobre a as respectivas rentabilidades.
A
maior limitação que trava essa transição aparece, contudo, no lado
operacional. Na prática, as agências reguladoras estão se tornando parte
da administração direta, e nesta a gestão pública é caótica.
Dessa
forma, as coisas não andam, e, por exemplo, o desempenho das concessões
da infraestrutura de transportes pós-2007, claramente sob um esquema de
compadrio, tem sido abaixo da crítica.
É só comparar o montante de investimentos realizados nessa com os da fase anterior, e a situação das rodovias nos dois casos.
Setúbal,
do Itaú, estava certo quando destacou recentemente, na “Folha de
S.Paulo”, a importância de retornos atrativos para atiçar o espírito
animal de empresários. A visão de que o capital privado só se excita
quando vê demanda crescendo é míope. Para investir, é preciso ter
retorno.
Se voltarmos a querer tocar o Brasil a partir de ideias
populistas e estatizantes, que já não deram certo no passado, achando
que há espaço fiscal para gastar mais (quando na realidade não há),
daremos com os burros n’água.
Perderíamos credibilidade e o atual governo estaria queimando a herança bendita das últimas décadas.
Raul Velloso é economista
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