sexta-feira, agosto 05, 2011

A herança maldita do fisiologismo

O Globo - 05/08/2011
 

Por ser inadmissível que Dilma Rousseff, ministra de Lula na primeira hora, não soubesse do perfil fisiológico da base montada pelo seu presidente, uma possível explicação para a faxina deflagrada por ela no Ministério dos Transportes, tripulado por velhos conhecidos, é que teria concluído ser impossível fazer uma gestão razoável se áreas-chave continuarem sob controle desses esquemas.
Dilma não tem o dom da palavra de Lula, sequer acumulava alguma quilometragem de palanque antes de ser ungida candidata. Não tem a política nas veias, é visível. Tampouco poderá usufruir de alguma bonança na economia mundial, o oposto do que aconteceu com Lula, sorteado para receber o prêmio de governar durante um ciclo histórico de expansão sincronizada das grandes economias. A presidente, então, se não quiser um governo amorfo, passivo, encostado nas cordas, acossado pela inflação, apenas à espera de passar a faixa daqui a três anos e cinco meses, precisa fazer o que tenta: aumentar os investimentos públicos e ativar os privados, algo relacionado de forma direta a melhorias substantivas na baixa qualidade de gestão na máquina estatal. Um projeto de governo nesta direção não comporta um ministério como o dos Transportes, doado de porteira fechada ao PR, o qual aproveitou a posse literal do pedaço e o converteu numa máquina de gerar caixa dois para o partido - nunca se pode descartar desvios também para patrimônios privados - e instrumento de aliciamento de parlamentares para a legenda. A explosão de custos em obras públicas, a demora na execução de projetos e a má qualidade do trabalho serão fatais para o governo Dilma. Lula, um dos engenheiros desta enorme aliança, cimentada pelo toma lá dá cá, já externou a preocupação com a governabilidade, caso Dilma leve mesmo a sério administrar com um mínimo de bom-senso. Mas ela parece não ter outra saída, felizmente. Recebeu a herança maldita de uma base político-parlamentar mantida unida não por afinidades ideológicas e comunhão de projetos para o Brasil, mas por interesse em ter acesso fácil ao Tesouro, e demonstra perceber que este arranjo de governo não a ajuda.
Revelações feitas pelo GLOBO sobre Oscar Jucá Neto, o Jucazinho, autor de denúncias contra o ministro da Agricultura, Wagner Rossi (PMDB), são espelho fiel do que acontece em Brasília. Pelo menos uma passagem de Jucazinho pela iniciativa privada foi desastrosa. O irmão do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), administrou um restaurante da família no Recife e foi responsável por cerrar as portas do estabelecimento devido à incompetente gestão.
Então, o extremoso irmão Jucá, que já havia encaixado o mano na Infraero, tendo sido Jucazinho demitido quando se tornou inevitável limpar a estatal de apaniguados, usou sua influência e conseguiu nomear o problemático parente como diretor financeiro da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Ministério da Agricultura. Não consegue gerenciar restaurante, mas pode ser diretor de estatal. É assim que funcionam as coisas no Brasil fisiológico. No mundo privado, a empresa fecha. No paraíso estatal, o contribuinte paga. Jucazinho foi demitido acusado de desvio de dinheiro. Caiu e atirou no ministro. Este respondeu com a mesma munição. Como neste mundo não há mocinhos, é provável que Rossi e Jucazinho tenham razão. E resta para Dilma uma equipe de governo disforme.
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