terça-feira, junho 01, 2010

A impunidade dos corruptos

Autor(es): Almir Pazzianotto Pinto
Correio Braziliense - 01/06/2010

Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)


Em julho de 2008, atônito diante dos desmandos observados na vida pública, o cientista político Bolívar Lamonier, entrevistado por um jornal de São Paulo, disse que todos somos corruptos. O ilustre professor exagerou. Nem todos são subornáveis, fraudadores, prevaricadores, larápios. As notícias, porém, renovadas e confirmadas por escândalos novos, demonstram que a gatunice prospera em meio às classes políticas, sendo de temer que os honestos se convertam em exceções. Para a chaga moral não haveria remédio mais eficaz do que o voto. Trata-se, contudo, de antídoto ineficiente diante da resistência desenvolvida pelo vírus da imoralidade, contra o qual têm sido insuficientes denúncias estampadas pela imprensa e apuradas em inquéritos policiais e processos crimes.

Sob pressão da opinião pública o Congresso acaba de aprovar a Lei da Ficha Limpa. Não deixou, todavia, de, na 25ª hora, acrescentar-lhe emenda de algibeira, destinada a permitir que conhecidos “fichas sujas” concorram às eleições deste ano. A tentativa de moralização não alcança, contudo, um dos setores mais obscuros da vida nacional. Falo do movimento sindical, alvo de denúncias, acerca das quais o presidente procede à semelhança dos macaquinhos chineses: não ouve, não fala, não vê.


Em agosto de 1970, o Diário do Congresso Nacional publicou relatório da comissão parlamentar de inquérito constituída para apurar denúncias do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Destilação e Refinação de Petróleo da Guanabara e Rio de Janeiro. A CPI, cujos trabalhos tiveram início em setembro de 1967, teve como presidente o deputado Ney Ferreira e relator o deputado Arlindo Kunsler. Compareceram os ministros Arnaldo Sussekind e Ary Campista, ambos do Tribunal Superior do Trabalho, Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho, general Moacir Gaya, delegado regional do Trabalho de São Paulo, Herbert Backer, adido trabalhista da Embaixada americana, representantes de entidades internacionais e expoentes do sindicalismo pelego.


Foram requisitados, ao Ministério do Trabalho, cópias do apurado sobre a denúncia de infiltração de entidades estrangeiras no movimento sindical e, ao Banco Central, “extratos bancários de entidades e pessoas relacionadas com os objetivos da CPI”. Não é o caso de rever as conclusões da comissão. Quem tiver intenção de conhecê-las consultará o Diário do Congresso Nacional. Destaco, todavia, duas recomendações finais: a) a proibição de atividades políticas, por entidades estrangeiras; b) que se procedesse à radical mudança do sistema sindical, “com vista à maior participação do operário brasileiro nas atividades e benefícios do seu sindicato”. Decorridos 40 anos, desde que a Câmara dos Deputados investigou os porões do sindicalismo, qual o cenário? Parte da resposta encontra-se em matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, sob o título “Sindicato vira negócio lucrativo e país registra uma nova entidade por dia”.


Que a Constituição de 1988 converteu o sindicalismo em empresa lucrativa e sem riscos, nem os dirigentes conseguem negá-lo. Antes de 1970, as entidades congregavam reduzido número de associados, e sobreviviam graças aos recursos do Imposto Sindical. Acerca da baixa representatividade, concluiu a CPI: “O levantamento efetuado comprovou que apenas 20% dos operários são sindicalizados, concluindo-se daí que 20% são mantidos por 100%”. Atualmente, a média talvez não chegue a 20%, e os diretores permanecem mantidos por 100% das categorias, não apenas com bilhões de reais proporcionados pela Contribuição Sindical, como, também, por variada cesta de contribuições arrecadadas à força aos trabalhadores que exercem a garantia constitucional de não se associar.


O saneamento da vida pública pode ter início por meio da Lei da Ficha Limpa. A depuração da vida sindical, extinguindo-se a Contribuição Sindical prevista pela CLT, e de todas as fontes de arrecadação que não tenham a marca da voluntariedade. O presidente Lula, à época em que dirigia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, tinha o discurso do combate ao peleguismo. Hoje a postura é outra. Em vez de combatê-lo, passou a subsidiá-lo. Sugiro aos historiadores do movimento sindical que examinem o relatório da CPI. A conclusão será melancólica. Em 40 anos, a estrutura sindical piorou, e a partir da Constituição de 1988 ficou à salvo de controle, em nome de hipotética liberdade sindical, convertida, na verdade, em sórdida libertinagem.
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