segunda-feira, janeiro 04, 2010


Cultura do alho (Allium sativum): Diagnóstico e recomendações para seu cultivo no Estado de São Paulo
 
                                                                                    Paulo Espíndola Trani
                                                                  

 

INTRODUÇÃO

 
O alho é uma planta herbácea de propagação vegetativa, pertencente à família Alliaceae. Apresenta folhas lanceoladas que diferem dependendo da localização na planta e possui pseudocaule formado pelas bainhas das folhas. Em condições climáticas favoráveis as gemas do caule se desenvolvem formando cada uma um bulbilho (dente), que em conjunto forma o bulbo (cabeça).
 
O bulbo é arredondado constituído de 5 a 56 bulbilhos. Estes têm a forma ovóide arqueada, sendo envoltos por duas folhas protetoras (brácteas) de coloração branca ou arroxeada.
 
 

VALOR NUTRICIONAL E MEDICINAL DO ALHO


 O alho destaca-se quanto ao valor nutricional, pelo seu conteúdo em calorias, proteínas, carboidratos, fósforo, tiamina (B1) e vitamina B6. Com relação às propriedades medicinais a Dra Eloísa C. Pimentel, médica fitoterapeuta e homeopata da Prefeitura de Campinas destaca as seguintes propriedades medicinais: analgésico, anti-inflamatório, anti-séptico, antibacteriano, antimicótico, antiviral. Protege o fígado,  é diurético, antioxidante, estimula o sistema imunológico. Indicado no controle da hipertensão, reduz o colesterol. Também indicado em gripes e resfriados; vermífugo (contra amebas). É anticoagulante mas  não deve ser usado concomitante com outros anticoagulantes. Lactentes não devem usá-lo, pois pode causar cólicas no bebê.
 
A tabela a seguir, mostra recente estudo publicado na renomada Revista  “British Medical Journal’, onde o alho é um componente da refeição denominada “Polymeal”. A adoção de tal alimentação proporcionou um aumento na   expectativa  de vida saudável para os homens em 6,6 anos e  para as mulheres em 4,8 anos, considerando-se uma população na faixa etária  de 50 anos. O estudo foi realizado para as condições climáticas da Europa.

 



HISTÓRICO
 
         Os estudos com alho no IAC iniciaram-se em 1943 com o Dr. Olympio de Toledo Prado, fundador da Seção de Hortaliças desta centenária instituição científica. Os primeiros estudos foram feitos com as cultivares  plantadas por pequenos agricultores, citando-se o alho cateto, caiano branco, caiano roxo, branco mineiro. Além disso também estudaram-se diferentes  espaçamentos, épocas de plantio, irrigação (freqüência), cobertura vegetal dos canteiros, adubação orgânica e adubação mineral.

       A fotos históricas (figuras 1, 2, 3 e 4) a seguir ilustram tais trabalhos do IAC.

Figura 1. Experimento com alho no IAC - Campinas, Faz. Santa Elisa, 1948.

 
Figura 2. Alho Cateto Roxo bastante cultivado nas décadas de 40, 50 e 60 no Estado de São Paulo

Figura 3. Alho Caiano Roxo estudado na década de 40 pelo IAC.

Figura 4. Alho Branco Mineiro estudado nas décadas de 40 e 50 pelo IAC.

         Nas décadas de 60; 70 e 80 foram introduzidas cultivares de outros Estados brasileiros e outros países com a colaboração de produtores rurais, professores das Universidades Paulistas e o Dr. João Menezes Sobrinho da CENARGEM de Brasília. Foram realizadas pesquisas com as novas cultivares, algumas vernalizadas,  quanto à épocas de plantio,  nutrição mineral, calagem e adubação e espaçamento visando atender os novos sistemas de cultivo utilizados pelos produtores.  Após as novas introduções, o Dr Rogério Salles Lisbão destacado pesquisador desta cultura, no período de 1974 a 1993 (figura 5) realizou, com o nossa participação, avaliações das melhores épocas de plantio para os alhos vernalizados, espaçamentos, nutrição e adubação o que resultou em maior segurança aos produtores para obtenção de boas produtividades com as novas cultivares de alho.
 
 
Figura 5. Engenheiro Agrônomo Rogério Salles Lisbão – proporcionou grande desenvolvimento nas pesquisas com alho no IAC (de 1975 a 1993).


Figura 6. À esquerda: aspecto da coleção de alho do IAC e à direita: experimento pioneiro de época de plantio com alho vernalizado em Monte Alegre do Sul (1992 – 1993)


No período de 1970 a 1980 o produtor Gilberto Bisão (Araras-SP),  e os produtores de descendência japonesa de Piedade e região, proporcionaram grande impulso na utilização do alho vernalizado. Já nas décadas de 90 até a atualidade o produtor Ismael Boiani (Iacanga) vem contribuindo na pesquisa de campo e orientação técnica a outros produtores paulistas e de outros Estados do Brasil.

            Destaca-se além do IAC os trabalhos de pesquisa realizados por Professores da UNESP- Botucatu, UNESP- Jaboticabal, UNESP –Ilha Solteira, ESALQ- Piracicaba, CENA – Piracicaba.  Quanto à assistência técnica, além da CATI, deve ser mencionado o brilhante trabalho dos técnicos da Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC) na décadas de 70,  80 e  90.
 
 
CULTIVARES DE ALHO PARA O ESTADO DE SÃO PAULO
 
      Nas condições edafoclimáticas do Estado de São Paulo podem ser recomendadas as seguintes cultivares de alho
a)     não vernalizados: Lavínia, Roxinho (figura 7), IAC- Chinês, Amarante,  Santa Catarina Roxo (figura 8), Assaí (figura 8) e Gigante de Curitibanos (figura 9).
b)     Vernalizados: Chonan, Quitéria, Contestado, Ito e especialmente os alhos Jonas (figuras 8 e 10) e Roxo Pérola de Caçador (figura 10) que se destacam quanto à produtividade e qualidade dos bulbos produzidos.
 
 
 
Figura 7. Alho Roxinho (não vernalizado) de boa produtividade para o Estado de São Paulo. Foto de Dulcinéia E. Foltran (2007)


Figura 8. Alhos Santa Catarina Roxo e Assai (não vernalizados) e alho Jonas ( vernalizado), apresentando boa qualidade dos bulbos.
 
Figura 9. Alho Gigante de Curitibanos não vernalizado apresentando dentes (bulbilhos) graúdos.


Figura 10. Alho Roxo Pérola de Caçador: principal variedade de alho vernalizado no período 1990 a 2000. À direita, alho Jonas (vernalizado), nova opção para os produtores paulistas.
 

CALAGEM E ADUBAÇÃO

           Os trabalhos de calagem e adubação, conforme mostrados nas figuras 11 e 12 realizados em diferentes tipos de solo e com diferentes cultivares  proporcionaram as seguintes recomendações  aos produtores conforme análise de solo: 
 
a) Calagem: Elevar a saturação por bases do solo a 80% e manter o teor do magnésio no mínimo em 9mmolc dm-3.
 
b) Adubação orgânica: Aplicar 20 toneladas por ha de esterco de curral bem  curtido ou 5 toneladas por ha de esterco de galinha bem curtido, aos 15 a 30 dias antes do plantio.
 
c) Adubação mineral de plantio: Aplicar conforme análise de solo: 20 a 40 kg de N; 120 a 360 kg de P2O5 por ha; 40 a 120 kg de K2O por ha. Acrescentar  2 a 5 kg de Zn por ha e  3 kg de B por ha.
 
d) Adubação mineral de cobertura: Aplicar 40 a 80 kg de N por ha e 40 a 80 kg de K2O por ha, conforme a variedade de alho e o estado vegetativo no campo. Parcelar essas doses aos 30 e 50 dias após a brotação.


A
B
Figura 11 A. Faixa de alho no campo (onde não foi aplicado fertilizante orgânico). A figura 11 B mostra a diferença de desenvolvimento entre plantas de alho que receberam ou não adubação orgânica (Arealva – SP).

 
Figura 12. Estudo de aplicação NK em alho Roxo Pérola de Caçador, em canteiros com e sem cobertura morta (palha de arroz). (IAC – Campinas, 1999 e 2000).


 PLANTIO E TRATOS CULTURAIS

 
a) Preparo do solo:
Normalmente realiza-se o preparo tradicional com  1 aração e 2 gradagens e após isso levantamento dos canteiros. Estes devem ter 20 a 30cm de altura e nivelados de acordo com a declividade do terreno.

b) Sempre que possível deve-se aplicar o mulching (cobertura morta) visando-se melhor controle da umidade do solo e a  diminuição da incidência de plantas daninhas (figura 13).


Figura 13. Canteiros em nível com cobertura de bagacilho de cana pré-fermentada, prontos para o cultivo de alho.
 

c) Espaçamento:
17 x 8 cm; 20 x 10 cm; 25 x 8 cm; 30 x 10 cm e 30 x 8 cm, dependendo do tipo de solo e da característica da  cultivar (variedade).

 
 
d) Irrigação: É feita através de aspersão ou pivô central. Irrigar, na fase inicial, com freqüência de 2 a 3 dias (até 30 dias de desenvolvimento). Após esse período de desenvolvimento, a freqüência passa a ser de 4 a 5 dias (entre 30 dias de idade e a fase final). A irrigação é suspensa de 15 a 20 dias antes da colheita. A quantidade de água é variável conforme o tipo de solo, umidade e temperatura do ar, entre outros aspectos. Sempre que possível monitorar a umidade do solo com tensiômetros.
 
e) Controle de plantas daninhas: é utilizado o cultivo mecânico ou uso de herbicidas seletivos.
            O período de competição do mato com o alho vai até 100 dias após a emergência das plantas. Depois desse período a capina pode ser dispensada.
 
 
PRINCIPAIS PRAGAS
 
a)Ácaro (Aceria tulipae): Ocorre principalmente em temperaturas maiores que 25ºC e baixa umidade relativa do ar.
 
 
b)Tripes (Thrips tabaci): Ocorre principalmente em temperaturas de 20 a 25ºC e alta umidade relativa do ar.
 
 
PRINCIPAIS DOENÇAS
 
a) Viroses: A transmissão é através de afídeos (pulgões) ou por via mecânica. A principal conseqüência é a redução do rendimento da cultura através da diminuição do tamanho e peso dos bulbos e bulbilhos. A principal via de controle é a limpeza por cultura de tecidos.
 
b) Podridão branca (Sclerotium cepivorum): é também conhecida como mofo branco ou bolor branco. Essa doença foi uma das principais causas da diminuição do cultivo de alho nas regiões de Piedade, Sorocaba e Ibiúna, na década de 90.
 
c) Ferrugem (Puccinia allii): é favorecida por condições de alta umidade do ar e por temperatura amenas. O controle deve ser preventivo, alternando-se os tipos de defensivos (agrotóxicos) utilizados.
 
d) Mancha púrpura (Alternaria porri): é conhecido como queima das folhas. É favorecida por alta umidade e temperaturas entre 21 e 30ºC. O controle deste fungo também é preventivo.
 
 
Figura 14. Da esquerda para a direita, folhas de alho mostrando sintomas de viroses, mancha púrpura (alternária), ferrugem, e ataque de ácaros e tripés, respectivamente.

 

FATORES LIMITANTES PARA PRODUÇÃO

 
a) Fotoperíodo: O alho tem limitado período para seu cultivo durante o ano pois é uma planta de dias longos.
No Estado de São Paulo o plantio varia de março até junho. As variedades comuns (sem vernalização) são plantadas de março a abril. Já o plantio das variedades vernalizadas ocorre de maio a junho.
 
b) Temperatura: 10 a 20º C é a faixa ideal, sendo as menores mais adequadas para a formação de bulbos. No Estado de São Paulo existem poucas áreas acima de 800m de altitude, com temperaturas boas para obtenção de alho de boa qualidade. Um exemplo de região propícia é a Serra da Mantiqueira, em  municípios como São Sebastião da Grama (figura 15) onde existem “platôs” acima 800 a 900m  de altitude e  água de boa qualidade para irrigação..


Figura 15. À esquerda: colheita de alho em São Sebastião da Grama – SP (900 m de altitude). Á direita: apoio técnico do Engenheiro Agrônomo José Geraldo Junqueira da Cooperativa Cooxupé – Núcleo de São José do Rio Pardo.
  
A maioria das variedades de alho nobre, com 10 a 12 bulbilhos (dentes) por bulbo, necessita de vernalização.
Em média necessita-se de 30 a 45 dias anterior ao plantio em câmara fria com temperatura de 4 a 7ºC  de vernalização (choque frio) nos bulbilhos, para possibilitar produção de bulbos no campo.
 
c) Superbrotamento (pseudoperfilhamento) (figura 16): É uma anomalia genético-fisiológica que acarreta a formação de bulbos impróprios para a comercialização.
Os fatores que causam o superbrotamento são: genético, excesso de umidade do solo ou de irrigação e excesso de nitrogênio.
 
 
Figura 16. Plantas de alho mostrando superbrotamento (pseudoperfilhamento)


COLHEITA E PÓS-COLHEITA
 
A colheita e pós colheita variam conforme o ciclo da variedade. Geralmente, o início da colheita é indicado pelo amarelecimento da planta. Em algumas variedades pode ocorrer “estalo ou tombamento”.
A cura ao sol é feita 1 a 2 dias após a colheita. É importante recobrir as folhas das plantas sobre os bulbos das outras. A cura à sombra é realizada em galpões bem ventilados por 20 a 60 dias.
O armazenamento pode ser feito em temperatura ambiente, em locais que sejam escuros e bem ventilados; ou em câmaras frias com temperatura entre 1 e 2ºC e 65 a 70% de umidade.
 
 
DIAGNÓSTICO ATUAL (2009) PARA O ESTADO DE SÃO PAULO:
 
 
A área plantada nas décadas de 70 e 80 era de 800 a 1000 ha/ano. Na década de 90 diminuiu para 400 ha/ano. E a partir de 2000, a área plantada de alho foi menos que 300ha/ano. Isso foi causado pelos seguintes fatores:
 
a)       concorrência de alhos importados de outros países com menores custos de produção (como China e Argentina).
 
b)       aumento na incidência de doenças como bolor branco (Sclerotium) e viroses da parte aérea, afetando a produtividade e a qualidade comercial do alho.
           
 
c) diminuição no número de produtores paulistas experientes na produção de alho comum e vernalizado (migração para outros estados do Brasil ou troca por culturas mais rentáveis)
 
 
d) aumento no custo de produção, especialmente de insumos como fertilizantes, agrotóxicos e irrigação, sem o correspondente aumento nos preços recebidos na comercialização. Os preços médios na CEAGESP no período de 1999 a 2008 variaram de R$ 2,54 a R$ 4,05 por quilo de alho comercializado (média de R$ 3,12 por quilo de alho).
            Há a
“necessidade” de se produzir atualmente pelo menos 10 toneladas de alho por hectare para cobrir o custo de produção.
 
 
e)  verifica-se reduzido número de variedades de alho vernalizado apropriadas para as condições climáticas do estado de São Paulo. Ocorre a necessidade de vernalização para os alhos nobres, em média 35 a 45 dias a 4 - 5 ºC, aumentando os custos de produção.
 

FATORES QUE JUSTIFICAM INCENTIVO À EXPANSÃO NO PLANTIO DE ALHO NO ESTADO DE SÃO PAULO:
                 
 
a) existência de bom número de variedades de alho do tipo comum e semi-nobre com menor custo do alho semente e produtividade similar ou próxima ao alhos vernalizados .
     Os alhos comuns possuem bom potencial de comercialização especialmente para industrialização (pastas, cremes, temperos, etc).

b) boa possibilidade de redução nos custos de produção através da intensificação da assistência técnica (oficial e/ou privada).
       
c) maior proximidade das áreas de produção em relação aos locais de grande consumo reduzindo os gastos com  transporte.
 
 
d) o alho, em sendo cultura de caráter social (ocupa significativo uso de mão de obra em relação a outras culturas),  poderá ser incluído em programas sociais dos governos estadual e federal.

e) existência de significativo número de profissionais com bom conhecimento técnico e experiência nesta cultura no estado de São Paulo.Isso permite a realização de convênios com diferentes instituições públicas e privadas para estabelecimento de metas visando a melhoria da produtividade e qualidade do alho.

Origem: Publicado originalmente na Revista Nosso Alho, ed. 2, março de 2009 - www.anapa.com.br
 

Paulo Espíndola Trani possui mestrado em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo (1980) e doutorado em Agronomia pela Universidade de São Paulo (1995) . Atualmente é Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas. Tem experiência na área de Agronomia , com ênfase em Fitotecnia. Atuando principalmente nos seguintes temas: Daucus carota, Lactuca sativa, Calagem, rotação de cultura, efeito residual de calcário e alface e cenoura.
(Texto gerado automaticamente pela aplicação CVLattes)



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte

Dados para citação bibliográfica(ABNT):
TRANI, P.E.  Cultura do alho (Allium sativum): Diagnóstico e recomendações para seu cultivo no Estado de São Paulo. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_2/alho/index.htm>. Acesso em: 4/1/2011

Publicado no Infobibos em 19/05/2009
 

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