O Estado de S. Paulo |
Choque de realidade |
Editorial |
A economia nacional continua em convalescença e a recuperação tem sido mais lenta do que alardeava o governo até a divulgação, ontem, das contas do terceiro trimestre. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,3% em relação aos três meses anteriores, segundo o IBGE. Se esse ritmo for mantido por um ano, o resultado será uma expansão de 5,3%. Seria um bom desempenho, especialmente se comparado com o previsto para a maior parte dos países desenvolvidos. Mas o passo continua bem mais vagaroso que o estimado, até há poucos dias, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega: cerca de 8% em termos anualizados, aproximadamente 2% no trimestre. Não há motivo para grande frustração. Mas o governo deveria aproveitar esse choque de realidade para abandonar o triunfalismo e examinar os fatos com um pouco mais de equilíbrio e de atenção no médio e no longo prazos. Há alguns dados animadores no cenário apresentado pelo IBGE. Do lado da oferta, o principal destaque foi a produção industrial, com crescimento de 2,9% no trimestre. A indústria ainda é o mais importante motor da economia brasileira e a fonte dos empregos de qualidade mais alta. Do lado da demanda, as boas notícias foram a expansão de 6,5% no valor investido, medido pela formação bruta de capital fixo, e o aumento de 2% no consumo das famílias. Apesar da crise, a massa de rendimento real das famílias cresceu. A inflação controlada contribuiu para a preservação e até para o aumento do valor real dos salários. O crédito e os incentivos fiscais também ajudaram as famílias a continuar consumindo e isso amorteceu os efeitos da crise importada. Mas o quadro tem alguns detalhes muito preocupantes. Um deles é o baixo nível do investimento. Embora a soma investida tenha aumentado consideravelmente no terceiro trimestre, o valor ainda correspondeu a apenas 17,7% do PIB, proporção inferior àquelas observadas nos mesmos trimestres dos dois anos anteriores. A taxa de poupança caiu de 19,7% para 15,5% no intervalo de um ano. Parte do investimento foi coberta, portanto, pelo ingresso de capital estrangeiro. Não há nada de errado, em princípio, no uso de capital externo para financiar parte dos gastos em máquinas, equipamentos e construções necessários ao fortalecimento e à expansão da economia nacional. Mas há motivo para preocupação quando isso ocorre por causa da redução da poupança e não do aumento do valor aplicado na ampliação e na modernização do parque produtivo. A diminuição da poupança ocorreu principalmente por causa do crescente desajuste das contas públicas. Ontem, os ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Fazenda, Guido Mantega, negaram qualquer excesso no custeio do setor público. Não há problema, segundo eles, porque o chamado consumo do governo aumentou 0,5% entre o segundo e o terceiro trimestres, enquanto o PIB aumentou 1,3%, mais que o dobro, portanto. Mas a história é muito diferente quando se examinam os números acumulados no ano. Até setembro, o PIB foi 1,7% menor que o de um ano antes, mas o consumo do setor público foi 2,8% maior. Isso se explica em boa parte pelas despesas com pessoal e com a Previdência. A folha salarial do setor público tem crescido regularmente, o governo federal tem sido o mais generoso tanto na contratação de pessoal quanto na concessão de aumentos. Esses gastos continuarão a crescer em 2010 porque o governo central, mesmo na crise, não deixou de inflar os salários do funcionalismo nem renunciou a continuar expandindo o quadro de pessoal. O ministro da Fazenda promete respeitar a meta fiscal fixada para 2010, mas todos os dados conhecidos só permitem prever maior deterioração das contas públicas. O governo, disse o ministro nesta semana, só cortará gastos quando isso for necessário. Se ele ainda não julga necessário, os brasileiros têm um forte motivo para se preocupar, especialmente em tempo de campanha eleitoral. Diante da lenta recuperação econômica, o Banco Central poderia retardar a próxima elevação de juros. Mas será preciso considerar, na formulação da política monetária, também a evolução das contas públicas. A perspectiva, por esse lado, é muito ruim, muito mais pela gastança do que pela ampliação dos incentivos fiscais. |
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