Qual é esse dilema? A melhor taxa de câmbio para a inflação é a pior taxa de câmbio para o crescimento e para a balança comercial.
No momento, a taxa de câmbio dólar/real em torno de 1,70 agrada aos que não querem ver a volta da inflação, mas está matando os exportadores e consequentemente o emprego e a renda. A taxa está supervalorizada em um nível que pode ser o mesmo de 1994 (quando ficou abaixo de 1 por 1), ou num patamar que repete experiências populistas de taxas fixas de câmbio entre 1945 e 1964.
Durante o período de 1968 a 1994, o câmbio e a inflação se moveram em paralelo, no que foi chamado de sistema de minidesvalorizações, mas não foi uma solução completa, na medida em que a inflação — sem uma âncora — só fez acelerar, passando de 20% ao ano a quase 2.000%.
Entre 1996 e 1999, com FHC, houve uma introdução tímida de bandas (muito estreitas), mas a tentativa fracassou devido ao grau de supervalorização da moeda brasileira, às crises políticas dentro do Banco Central — e porque no fundo se tratava de uma taxa fixa.
Finalmente, adotou-se o regime de câmbio flexível a partir de 1999, juntamente com o sistema de metas de inflação.
O sistema de bandas cambiais é capaz de conciliar independência monetária (controle da inflação e dos juros) com um ritmo de atividade econômica e de exportações condizente com as necessidades de crescimento do emprego no país.
Vamos imaginar, por exemplo, 1,80 no limite inferior e 2,40 no limite superior — uma banda larga de 25% ou 33%, dependendo da medida pelo limite inferior ou superior.
Autores como Paul Krugman ou Lars Svensson (criador do sistema de metas de inflação) demonstraram que a independência da política monetária via taxas de juros permanece. Quando o câmbio se aproxima do nível inferior, a expectativa de desvalorização quebra a especulação desestabilizadora (no regime atual, os agentes acham que vai apreciar sem fim). E viceversa no limite superior. A inflação vai bem, mas este não é o caso da produção de tradables manufaturados ou semimanufaturados.
Estamos atingindo um ponto, em matéria de câmbio, que beira o populismo.
O governo descobriu que inflação zero é mais importante do que desemprego baixo na hora dos votos (já que inflação afeta todo mundo e desemprego, numa visão cínica, somente afeta os desempregados).
Em diversos países do mundo adotam-se as bandas cambiais, inclusive no sistema monetário europeu. Tudo indica que a China caminha nessa direção, abandonando a taxa fixa. O Brasil não pode se dar ao luxo de ter taxas livremente flutuantes de câmbio, em face do efeito devastador dos fluxos financeiros — que está destruindo estruturas industriais — e também pela thiness (mercado fino, segundo Robert Mundell) do mercado.
O sistema de metas de inflação é compatível com as bandas cambiais. Já mencionamos que Lars Svensson, economista sueco, defende as duas coisas. Se o câmbio desvaloriza dentro da banda na direção de 2,40, a taxa de juros permanece instrumento poderoso (acoplada com a própria expectativa de apreciação cambial) para conter a inflação.
Evita-se a especulação desestabilizadora atual, quando uma apreciação gera expectativas de novas apreciações e uma desvalorização gera expectativas de novas desvalorizações.
Isto acaba quando há a introdução das bandas.
Está na moda dizer que a taxa de câmbio está relacionada ao nível de poupança. Daí o fato de se ter um câmbio desvalorizado na China e um câmbio valorizado no Brasil.
Nada mais falso. A correlação entre taxa de poupança e grau de supervalorização cambial não tem comprovação empírica. É apenas uma nova teoria elegante, sem evidências concretas.
O Brasil precisa urgentemente adotar bandas cambiais, para evitar o risco de se chegar à loucura de uma taxa de câmbio de 1 para 1, o que seria muito pior do que o período 19941999 em termos deflacionados. ANTONIO CARLOS LEMGRUBER foi presidente do Banco Central. |
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