Cutucando
Prefeitura, o caminho da fortuna
Numa noite destas um ex-prefeito mui gabola me recebeu gentilmente em sua mansão financiada por banco privado e a decoração paga com dinheiro emprestado de agiotas, dívidas que ele sabidamente não pagou. Sala grande, tapetes e cortinas combinando com os estofados, o ex-prefeito elegantemente trajando costume de cambraia tipo safári, charutão cubano aceso, cuja fumaça de aroma adocicado competia com a flagrância exótica que ele usava. Sentamos frente a frente, a conversa mal começara e sua esposa surge muito educada, modos acaipirados, carregando uma bandeja de prata com puro uísque escocês, servindo-nos em copos de cristal e pedrinhas de gelo de água mineral (detalhes que ele fez questão de ressaltar). A conversa se iniciou com amenidades, intróito para o assunto que ambos sabíamos seria interessante, absorvente. Outra bandeja com canapés crocantes é deixada sobre a mesinha central pela mulher que se retira de pronto, deixando-nos à vontade. O prefeito, ali, como um paxá, olhos rútilos, pernas cruzadas, imponente, o charutão indo de um canto a outro da boca numa lasciva felação, privilégio de quem podia desfrutar desse luxo importado da famosa ilha de Fidel. Nada de pressa para tratar do assunto, o prazer daquele momento lúdico nos induzia a prolongar a conversa, pois o real objetivo da visita contrastava com a nababesca recepção.
O prefeito não sabia que o objetivo da entrevista era obter detalhes dos esquemas usados por ele e seus assessores a fim de desviar boa parte dos recursos que entravam como pepitas de ouro nos cofres da Prefeitura, graças aos inúmeros repasses estaduais e federais, para depois ser equitativamente repartidos de forma a agradar a todos, cujo montante pouca gente sabia. Entretanto, após as tantas doses de uísque, o charuto do anfitrião se aquietara num canto da boca, sua fala umedecida por jatos de saliva saía meio pastosa com leve descontrole de volume. Por três vezes ele se esquivara de responder as perguntas, a bebida, entretanto, começara a fazer efeito e logo ele desatou o verbo abrindo seu precioso cofre de experiências de gatuno esperto como se estivesse contando um causo. Fiquei perplexo com os cuidados legais dos encarregados pelo “esquema” para roubar a Prefeitura, ludibriando o Tribunal de Contas e, por tabela, o povo. Ninguém se preocupava com os vereadores, sabiam que a maioria deles de uma forma ou de outra era conivente com as maracutaias.
Enquanto ele falava, eu ia anotando (não permitiu gravar). Alguns detalhes ficaram obscuros, mesmo assim, dava pra se ver que ele sentia orgulho de sua esperteza, por isso, arrisquei perguntar sobre os esquemas do segundo escalão. Ele sorveu o que restava do uísque no copo, me olhou complacentemente pra dizer com chasco: isso, meu caro, vai ter que perguntar pro Zé Carlos ou pra Cecília, não sei se vão falar, eles têm um esqueminha batuta que funciona há anos e que os vereadores fazem vista grossa, uns por serem sem-vergonhas, outros porque são burros, então, quem não é bobo aproveita, é uma baba. Olha – diz o prefeito sorrindo - eu não posso me queixar, Deus tem sido muito bom pra mim.
Sai dali cabisbundo, atordoado, e não era pelo uísque, a me indagar: por que a Câmara, o Ministério Público e a mais que tolerante sociedade civil não fazem nada? Por que demônios essa conivência absurda com a corrupção? Será que prefeitos e vereadores se espelham no ditado de que o exemplo vem de cima, vem de Brasília? Os prefeitos e secretários nem sequer tem boa assessoria jurídica, roubam porque é fácil demais, a grana está ali dando sopa (a ocasião faz o ladrão), não precisa nem ser inteligente, precisa só de vocação pra meter a mão. Infelizmente, os que pagam a conta, os contribuintes, só resmungam às escondidas, não reclamam de nada, inclusive os “revoltados”.
Nas eleições o povo podia mandar muitos corruptos de volta pra casa, infelizmente no dia da eleição o povão vota nos mesmos caras-de-pau de sempre. Então, nada de se indignar e espernear, relaxemos e locupletemo-nos todos. Essa é a lei.
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