segunda-feira, novembro 23, 2009

O Estado de S. Paulo
Crescendo e comendo
Carlos Alberto Sardenberg

Nove milhões de pessoas voltarão à condição de pobreza em 2009, na América Latina, em consequência da crise financeira - tal é a conclusão de um relatório da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) divulgado na semana passada. É um desastre, sobretudo porque a pobreza atinge mais as crianças e as mulheres.

Mas a mesma Cepal se apressa a dizer que este início de século não é uma década perdida. Ocorre que a América Latina também surfou na onda de crescimento global e obteve um resultado extraordinário: entre 2002 e 2008, nada menos que 41 milhões de pessoas deixaram a pobreza. Para a Cepal, isso foi consequência de quatro fatores: o crescimento econômico mais acelerado; o bônus demográfico (redução da natalidade); mais gasto social; e programas de distribuição de renda.

É difícil saber qual o peso de cada fator, mas arrisco dizer que o crescimento é o essencial. Reparem: na crise, todos os outros três fatores permaneceram em cena, em alguns lugares com elevação dos gastos sociais. O que falta é a expansão econômica.

Esse ciclo aconteceu no mundo todo. O PIB per capita cresceu de maneira acelerada, de modo que nada menos que 500 milhões de pessoas deixaram a pobreza nos últimos 20 anos de globalização. A América Latina, portanto, contribuiu com quase 10% desse resultado. A maior contribuição global foi dos asiáticos em geral, da China em especial. De fato, os asiáticos têm conseguido um ritmo de crescimento superior ao dos melhores latino-americanos. Lá, o PIB cresce mais perto dos 10% ao ano. Deste lado, num ano bom, dá 7%. A diferença crucial está no nível de poupança e investimento. Enquanto aqui mal chegamos aos 20% do PIB, nos dois quesitos os asiáticos em geral passam dos 30% e a China, em especial, chega a poupar quase 50% do PIB.

É verdade que todo mundo está dizendo aos chineses que está na hora de eles consumirem mais. Mas seria uma conclusão estúpida dizer que nós, da América Latina, estávamos certos. O problema aqui, especialmente no Brasil, é gastar muito antes de ficar rico.

O milagre do agronegócio - Também deu no noticiário da semana passada: um estudo do Ministério da Saúde mostrou que os brasileiros estão maiores e mais gordos. A subnutrição despencou. Ou seja, não somos famintos, estamos gordos.

Com a notícia, vieram as explicações habituais sobre os maus hábitos alimentares - e que são insuficientes. O fato básico é o seguinte: estamos comendo mais e devemos isso ao agronegócio. A tendência é global. Tem que ver com crescimento econômico e, muito especialmente, com o barateamento dos preços de alimentos.

Em meados da década de 70, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) assustava o mundo com teses segundo as quais o mundo estava entrando numa fase de fome e guerras por comida. Isso porque, dizia-se, a produção de alimentos não dava conta do aumento da população.

Pois aconteceu o contrário: graças à tecnologia (transgenia, biogenética, melhoramento das espécies, fertilizantes, controle da terra, etc.) a produção de alimentos aumentou várias vezes, com ganhos de produtividade. Mas essa potencialidade não teria sido realizada se não houvesse um mercado internacional mais ou menos livre e com tarifas menores para garantir a distribuição e o consumo.

O Brasil esteve na ponta desse processo. Nos anos 70, por exemplo, não tinha soja no Centro-Oeste. Alguns diziam que era impossível plantar ali. Mas novas variedades de plantas e novas técnicas ampliaram a fronteira agrícola. Idem para o boi. Antes, levava-se mais de ano para engordar o boi. Hoje, com poucos meses já está no abatedouro.

Há 40 anos, o Barão de Itararé saiu com esta: quando pobre come frango, um dos dois está doente. O frango era o prato especial do almoço de domingo. Hoje é uma espécie de commodity da alimentação popular.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) teve papel crucial nessa história brasileira, apoiada por investimentos e pesquisas de companhias agrícolas e dos produtores brasileiros que se espalharam pelo País. Houve, assim, a combinação correta: mercado, investimentos, tecnologia, ganhos de produtividade, mais alimentos e preços menores. E ocorreu que esses alimentos industrializados que ficaram mais baratos são mais gostosos e mais calóricos. Um trabalhador come uma salada e é como se tivesse tomado um copo de água. Um baita hambúrguer sai mais barato e alimenta mais.

Sim, o pessoal engordou, mas não se deve tirar daí a conclusão estúpida de que se deve dificultar a vida dos produtores desses alimentos. E muita gente, inclusive no atual governo, se dedica a isso: atrapalhar o agronegócio.

Sim, devemos comer mais saladas e mais peixe, mas para isso é preciso aumentar a produção e baratear o preço. Quem sabe estimular a invenção de tomates e alfaces transgênicos e a instalação de fazendas de peixe. AQUI

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