ORIGEM DOS DESVIOS ÉTICOS -CENTRALIZAÇÃO DOS RECURSOS
FILÓSOFO ROBERTO ROMANO - ENTREVISTA AO CORREIO POPULAR DE CAMPINAS
ORIGEM DOS DESVIOS ÉTICOS
Isso vem desde nossa história colonial. Há um elemento essencial. Sobre isso a doutora Maria Sylvia Carvalho Franco escreveu o livro Homens Livres na Ordem Escravocrata. Lá no início, você tem um país continental.
De certo modo, o país é todo concentrado na costa litorânea. Há o poder central. O Estado brasileiro já começa no esquema absolutista, ele não começa no esquema democrático. Isso leva a uma centralização de tudo na mão do rei ou do chefe de Estado.
No Brasil, as distâncias entre os municípios e o poder central são imensas. As pessoas que estão nos municípios produzem e remetem imposto para o poder central, que tem despesas outras e não manda de volta os recursos para as obras públicas.
No livro, ela reproduz decisões de vereadores que "emprestarão" para o município tantos mil réis. Eles emprestam o dinheiro, emprestam o material, compram o que precisa e fornecem a mão-de-obra, que é escrava, pois eram fazendeiros. Esse movimento é visto pela população como favor, eles são bonzinhos. Só, que o outro lado é esquecido. Na cabeça do político, se quando o município precisa, ele empresta, quando ele precisa, o município tem de emprestar. Então se estabelece essa indistinção do que é público e do que é privado, sancionada pela população. Não há distinção. Esse tipo de situação estabelece toda uma rede de favores. A população se sente devedora do político que traz benefícios para o município. Toda a sociedade brasileira passa a se definir e ser mediada pelo favor.
No Brasil, não existe praticamente ninguém que não deva favor para alguém. E os políticos exploram isso de uma maneira fantástica. Com a super centralização, a República não aboliu isso, só piorou. Os impostos vão para o poder central, são 70% do total, e voltam gota-a-gota.
Onde se encontra a possibilidade de retornar o imposto? No Congresso Nacional, no deputado federal e no senador, que só se reelegem se trouxerem obras para o município.
Mas como conseguem essas obras e orçamentos? Vendendo o seu voto para o governo. Ou chantageando o governo. Temos o caso dos Sanguessugas. É notório que quase todo escândalo político no Brasil começa no município.
DE CAVALO DADO NÃO SE OLHA OS DENTES
Se o município não tem dinheiro, o prefeito e os vereadores têm de achar um jeito de conseguir. No caso dos Sanguessugas ficou claro. Se precisa de ambulância, o deputado federal vai conseguir. Só que a taxa para ter essa ambulância não é a oficial, é a da corrupção. O prefeito fica contente, mas sabe que aquela ambulância veio por meios que não são os da ética e da moralidade pública.
POPULAÇÃO PARTICIPA SEM SABER
A população diz que tem nojo do "é dando que se recebe" do Congresso, mas ela cobra do deputado federal e do senador as obras para o município. Em última instância, a população que se julga honesta é participante desse jogo. Ela tem consciência disso tudo? Não. Esse é um ponto. Por isso que para falar de ética no Brasil é preciso que você conheça a origem da sociedade e do estado do Brasil.
CONCENTRAÇÃO DE RECURSOS EVITOU FRAGMENTAÇÃO DO TERRITÓRIO
Uma preocupação muito grande dos brasileiros, do Estado brasileiro, é manter a unidade territorial desse grande país enquanto que a América espanhola se fragmentou em pequenos países. Para manter, foi necessária a superconcentração de recursos. Fazendo isso foi aberta a porta do inferno desse descalabro ético que está no município. Não se constituiu o Brasil, de fato, como uma Federação, como no caso dos Estados Unidos. Ele foi constituído como um Império. E a República não mudou isso. Há um trabalho do professor Fábio Konder Comparato que mostra nosso regime como imperial. O presidente da República é chefe de Estado, ele concentra nas mãos os recursos todos. Tanto é verdade que quando há uma crise como a do PCC, aparece a fratura. O que aconteceu? Intermináveis reuniões do ministro da Justiça com o governador de Estado para saber quem devia fazer o quê.
IMPUNIDADE AZEITA O SISTEMA
A impunidade é condição do funcionamento desse regime. Se o prefeito precisa desses recursos, ele não estará muito preocupado se a pessoa que consegue no Congresso Nacional é ética, ou não. O que interessa é saber se ela é fiel à região, se traz recursos. Isso é o que faz funcionar as oligarquias. Os prefeitos sozinhos sabem que são fracos, que precisam arrancar o dinheiro que está no centro.
SENADO DISVIRTUADO
Alguns, inclusive, do republicanismo doutrinário, dizem que tem de acabar com o Senado. Eu acho que não. Se houver autonomia dos municípios e dos estados, será preciso o Senado, para acerto entre as várias unidades. Acho que tem uma função sim, mas está totalmente desvirtuada.
POLÍTICO DO FAVOR É APLAUDIDO
No Brasil, os nossos políticos têm essa ética horrenda, do favor, do "é dando que se recebe" , porque quando faz isso ele é aplaudido. Ele pode ser um ladrão, mas é aplaudido pela população. Então, muitas vezes, ele acredita ser honesto e que aquilo é certo, o errado é o que está seguindo a lei. ÍNTEGRA
Para quem quer compreender a política brasileira, taí uma entrevista para ser lida devagar, pensando, refletindo...
Parabéns, professor Roberto.
Marcadores: Autor Roberto Romano
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home