quinta-feira, maio 31, 2007

A domesticação de espécies no século 20
Fernando Reinach, no Estadão
A vaca, o trigo, o cão e a mandioca têm uma característica em comum. Todas são espécies domesticadas pelo homem. Uma espécie é considerada domesticada quando o homem passa a conhecer e exercer controle sobre sua reprodução, alimentação e dispersão pelo planeta.
Milho e vacas são bons exemplos: hoje, só crescem onde o homem permite, sua reprodução e genética são controladas por nós e todo o alimento que consomem é fornecido, de alguma maneira, por seres humanos. É quase um eufemismo chamá-las de espécies domesticadas - são, na verdade, espécies escravas do homem. São por nós controladas para, em geral, serem consumidas como alimentos.
Atualmente, o ser humano depende de um pequeno número de espécies para sobreviver. Quase 80% de nossa alimentação tem origem em apenas quatro espécies de seres vivos: trigo, milho, soja e arroz. Mesmo a carne que consumimos deriva dessas espécies, já que os frangos e grande parte do gado são alimentados com produtos obtidos a partir delas. A extinção de um desses vegetais espalharia a fome pelo planeta.
Até 10 mil anos atrás, o homem não havia domesticado nenhum ser vivo. As atuais 743 espécies domesticadas foram conquistadas em duas grandes levas. A primeira ocorreu entre 10 mil e 2 mil anos atrás. Nesse período, que corresponde ao desenvolvimento da agricultura e da agropecuária, foram domesticadas praticamente 90% de todas as espécies de plantas (250 frutas e cereais), e todas as espécies de animais terrestres (hoje 44). A maioria dos animais é formada por mamíferos e aves. Outros grupos estão muito pouco representados. O bicho-da-seda e o caramujo são dos poucos animais terrestres domesticados que não são mamíferos.
Quando Cristo nasceu, esse ciclo de domesticação tinha terminado. Nos últimos 1.900 anos houve a domesticação de um número muito pequeno de espécies terrestres, mas se iniciou a domesticação de espécies de água doce e salgada. O segundo grande ciclo ocorreu no século 20 e envolveu animais como os camarões, o salmão, a truta e as ostras. Ao longo dos últimos 100 anos, domesticamos 180 animais de água doce, 250 marinhos e 19 plantas aquáticas, principalmente algas. Nesse segundo ciclo, o homem precisou de dez anos para escravizar uma nova espécie. Isso porque os conhecimentos de ecologia, biologia geral e genética facilitaram o entendimento do ciclo de vida e das necessidades desses seres vivos.
Hoje, a maior parte dos humanos não se envolve na produção de alimentos, e se alimenta com produtos derivados de seres vivos cultivados por pequena parte da população do planeta. É preocupante que seja tão pequena a base de nossa alimentação. Mas o fato é compreensível, por causa do pequeno número de espécies que conseguimos domesticar.
As 743 são nada se comparadas à bilionária biodiversidade do planeta. A boa notícia é que, nos últimos anos, quase dobramos as espécies domesticadas, o que deve permitir aumento na diversidade de nossas fontes de alimentos. Servir como fonte de espécies domesticáveis é uma das funções da biodiversidade. Talvez por causa da culpa que sentimos por escravizar espécies, a função seja pouco lembrada

Marcadores: ,

Google
online
Google