sábado, fevereiro 10, 2007

O problema das minorias. Oposição institucional

Na democracia governa a maioria, mas – em virtude do postulado constitucional fundamental da igualdade de todos os cidadãos – ao fazê-lo não pode oprimir a minoria. Esta exerce também função política importante, decisiva mesmo: a de oposição institucional, a que cabe relevante papel no funcionamento das instituições republicanas
Só há verdadeira república democrática onde se assegure que as minorias possam atuar, erigir-se em oposição institucionalizada, e tenham garantidos seus direitos de dissensão, crítica e veiculação de sua pregação. Onde, enfim as oposições possam usar de todos os meios democráticos para tentar chegar ao governo. Onde, de modo efetivo, a alternância no poder seja uma possibilidade juridicamente assegurada, condicionada só a mecanismos políticos dependentes da opinião pública.

Se o cidadão, cada cidadão, é dono de uma fração ideal da res publica, pode e deve ter o direito de aplicá-la nos fins que bem entender. Sendo todos iguais e livres – ou, como postulava Madison, “igualmente livres” -, podem manifestar seus desejos e pensamentos em torno da coisa pública com lhes aprouver.

Daí que a verdadeira república democrática, devendo assegurar o direito de opinião, de pensamento, de crença, de associação, de informação etc., deva estender ao plano da cidadania, sem restrições, o direito de dissentir, divergir, discrepar da maioria, e, conseqüentemente, o pleno direito de criticá-la, formular propostas alternativas, pregá-las, aliciar adeptos e lutar, por todos os meios legítimos, para obter apoio suficiente para fazer-se substituir à corrente majoritária.

Toda minoria deve ter efetiva e real garantia de possibilidade de transformar-se, pela discussão, pregação e crítica, em maioria. A Constituição verdadeiramente democrática há de garantir todos os direitos das minorias e impedir toda prepotência, todo arbítrio, toda opressão contra elas. Mas que isso, por mecanismo que assegurem representação proporcional, deve atribuir um relevante papel institucional às correntes minoritárias mais expressivas. Ainda aqui estaremos aprendendo com a Inglaterra, onde a oposição de Sua Majestade institui até um shadow cabinet, para melhor exercer seu papel, preparando-se, concomitantemente, para assumir o poder a qualquer momento. Isto mostra que as repúblicas representativas sempre tiveram o que aprender com a monarquia constitucional inglesa.

Na democracia governa a maioria, mas – em virtude do postulado constitucional fundamental da igualdade de todos os cidadãos – ao fazê-lo não pode oprimir a minoria. Esta exerce também função política importante, decisiva mesmo: a de oposição institucional, a que cabe relevante papel no funcionamento das instituições republicanas

O principal papel da oposição é o de formular propostas alternativas às idéias e ações do governo da maioria que o sustenta. Correlatamente, critica, fiscaliza, aponta falhas e censura a maioria, propondo-se à opinião pública como alternativa. Se a maioria governa, entretanto não é dona do poder, mas age sob os princípios da relação de administração.

Efetivamente, ensina Kelsen, “o princípio da maioria não se identifica de fato com a senhoria absoluta da maioria, a ditadura da maioria sobre a minoria. A maioria pressupõe, por definição, a existência de uma minoria; e o direito da maioria implica, portanto, o direito de existência das minorias.”

Daí a necessidade de garantias amplas, no próprio texto constitucional, de existência, sobrevivência, liberdade de ação e influência da minoria, para que se tenha verdadeira república

A experiência histórica – sublinha Balladore – ensina que a tirania das maiorias não é, em nada, mais suave nem mais tolerável do que o despotismo de um só, ou de um grupo. “Esta (tirania da maioria) poderá também governar o Estado segundo os seus interesses particulares, sobretudo acima daqueles gerais, de todos, e poderá buscar somente consolidar o próprio poder, em vez de curar os interesses permanentes e gerais da coletividade, podendo adotar medidas contra os dissidentes e menoscabar, também, seus mais elementares direitos. A prática demonstra que as tiranias democráticas, isto é, aquelas exercitadas por uma intransigente maioria no poder, são as mais ferozes que a história conhece”.

É imperioso que a Constituição não só garanta a minoria (a oposição) como, ainda, lhe reconheça direitos e até funções. Esse é o ponto de partida para o desenvolvimento de um sadio mecanismo político.

Se a maioria souber que – por obstáculo constitucional – não pode prevalecer-se da força, nem ser arbitrária, nem prepotente, mas deve respeitar a minoria, então os compromissos passam a ser meios de convivência política.
Geraldo Ataliba, em República e Constituição, pág. 98/101 (leia mais textos do autor clicando no marcador abaixo: Gov. República Ataliba

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