quinta-feira, fevereiro 15, 2007

AGRONEGÓCIO: O SUCESSO DE UMA ESTRATÉGIA

Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros
Professor Titular e Coordenador Científico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Departamento de Economia, Administração e Sociologia da ESALQ/USP

Nos dias atuais, há um vazio em termos de projetos nacionais que realmente acenem com mudanças capazes de levar a uma aceleração de nosso crescimento econômico e a um salto significativo na qualidade de vida da população.
Vale a pena, portanto, correr os olhos sobre um caso de sucesso resultante de visão estratégica, sacrifícios, talento e muita coragem.

A saga do agronegócio brasileiro infla o orgulho nacional.
Somos imbatíveis na produção de bens extremamente necessários para a população mundial: alimentos, madeiras, fibras e energia renovável.

É verdade que nos ajudam, aqui também, o talento do brasileiro e a riqueza de nossos recursos naturais. Todavia, se dependêssemos apenas desses dois recursos estaríamos, a esta altura, importando até os alimentos de nosso cotidiano como o feijão e o arroz.
Há muito tempo, esgotamos nossas terras férteis, nas quais Caminha constatou
apressadamente que “em se plantando tudo dá”.

Por volta de 1960, nossas melhores terras, localizadas no Sul, Sudeste e em lugares
específicos de outras regiões já se mostravam incapazes de atender nossas necessidades básicas.
Já havia quase trinta anos que se iniciara a grande marcha do campo para a
cidade respondendo ao sinal dado primeiro por Getúlio Vargas e depois por Juscelino Kubitschek.

Era a urbanização e a industrialização que para se sustentar dependiam de crescentes quantidades de matérias-primas da agropecuária, que não podiam ser obtidas nas áreas tradicionais. A conseqüência foi a inflação e a carestia, que inviabilizavam o processo de desenvolvimento concebido por aqueles dois líderes e que se faziam sentir através de ininterruptos conflitos sociais. Além disso, era claro que a industrialização necessitava de divisas para viabilizar as importações de máquinas e componentes, que não se produziam internamente.

A estratégia concebida por Juscelino e assumida também pelos governos militares foi o avanço para o Oeste, cujo principal símbolo foi a construção de Brasília lá perto do fim do-mundo.
Era novo chamamento ao povo para que marchasse para nova aventura, nova
empreitada, repetindo a jornada dos Bandeirantes no século XVII.

Desta feita não se tratava de extrair pedras preciosas ou capturar indígenas, mas criar raízes em terra inóspita e quase estéril. Foram paulistas, paranaenses, catarinenses e gaúchos, que deixavam para trás suas pequenas e médias propriedades na busca de progresso sócio-econômico à custa de muito trabalho e sacrifício.

Além dessa mistura de desprendimento e arrojo, essa estratégia contou com o apoio na forma de financiamento da parte pela sociedade brasileira: como infra-estrutura de estradas e armazéns, crédito abundante e barato, preços de produtos e insumos
estimuladores.

A sociedade também custeou a formação de recursos humanos de todas as áreas de
conhecimento que foram capazes de criar nova tecnologia e adaptar as já existentes em outros países. Não há estimativas confiáveis de qual foi o montante desses investimentos.
Mas foi muito dinheiro! Terá valido a pena tal sacrifício? Quais são os retornos
econômicos e sociais que resultaram dessa mega-transformação na economia e na
sociedade brasileira?

Em primeiro lugar, devemos ter em conta que a ajuda para o agronegócio e para outros setores praticamente encerrou-se em meados dos anos 1980, quando os recursos públicos se esgotaram e a onda de liberalização econômica atingiu com atraso a América Latina e o Brasil, em particular.

A pergunta que ficava era: será que o agronegócio vai parar em pé e avançar agora que não contava mais com recursos públicos a ampará-lo? Para responder essa questão, é necessário relembrar as razões pelas quais a sociedade havia investido tanto no agronegócio.

Duas eram as razões básicas: alcançar um suprimento adequado de alimentos e matérias primas para atender à crescente demanda da sociedade em pleno processo de industrialização e gerar as divisas que permitiriam as importações que esse processo demandava e que acumulara ao longo do tempo uma dívida externa que o País não tinha como quitar.

Ainda no governo Sarney, o Brasil tivera de recorrer à moratória de sua dívida, que viria a ser renegociada apenas no governo de Itamar Franco.

Cabe então verificar como o agronegócio se saiu nesses dois quesitos a partir de 1989, quando se concretizou o fim da política de apoio ao agronegócio. Vejamos alguns dados do IBGE.

A produção física de alimentos expandiu 68% enquanto a população cresceu 27%. Isso significa que a disponibilidade per capita de alimentos para os brasileiros cresceu 32%. O custo da alimentação caiu 11% graças a um aumento médio de produtividade agrícola de cerca de 2,6% ao ano e pecuária em torno de 4% ao ano.

Ao mesmo tempo, as exportações do agronegócio quase quadruplicaram, acumulando mais de 360 bilhões de dólares, mais de 40% do total exportado pela economia brasileira como um todo. Isso permitiu pagar aproximadamente dois terços dos serviços da nossa dívida externa.

Fica claro, portanto, que o agronegócio respondeu à altura das melhores expectativas. A sociedade como um todo beneficiou-se seja porque pode continuar crescendo sem as restrições externas que constantemente cerceavam nosso desenvolvimento ao longo de nossa história, seja porque o suprimento de alimentos cresceu e seu custo diminuiu, num significativo processo de redistribuição de renda a favor das camadas mais pobres.

Hoje se fala em transplantar a experiência do agronegócio brasileiro para outros países carentes de alimentos e matérias-primas – da África, por exemplo - como éramos na década de 1950, através do apoio de organismos internacionais.

Será que vão poder contar com o fator essencial: nosso Bandeirante empreendedor e corajoso do século XX?
(Publicado em março/2006 no site do CEPEA/ESALQ)

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