ENTREVISTA DO JURISTA CÉLIO BORJA
Revista Veja de hoje
O QUE A CRISE ATUAL TEM DE DIFERENTE DAS ANTERIORES?
O presidente da República, que está no olho do furacão, tem grande apoio popular. Isso faz uma enorme diferença. Possivelmente, num primeiro momento, quando ele podia ter sido trazido à responsabilidade por atos de subordinados imediatos seus, a oposição se deteve, mais com receio da reação popular do que da eventual fragilidade da acusação ao presidente. Do ponto de vista estritamente político, é a diferença mais relevante.
E DO PONTO DE VISTA ÉTICO?
Perdemos o sentido da civilização. E a mais importante prova disso é que uma parte considerável das pessoas que receberam o voto popular, que representam o povo brasileiro, tem uma conduta incompatível com um padrão mínimo de decência.
ESSA ATITUDE É RESULTADO APENAS DE DECEPÇÃO TRANSFORMADA EM CINISMO OU TAMBÉM DA AUSÊNCIA DE DEBATE?
Estamos vivendo uma situação de traição dos intelectuais, tomando emprestado o título do livro do escritor francês Julien Benda, morto em 1956. A maior parte dos nossos intelectuais tem um passado de esquerda. Agora se calam, pois temem ser cobrados. É uma pena, porque as inteligências indiscutíveis que nós temos se sentem constrangidas pelo fato de terem tido compromisso com algumas idéias no passado. Acham que, se falarem mal do presidente hoje, estarão ajudando a corrente oposta, os reacionários de sempre, os ricos em detrimento dos pobres. Isso é uma simplificação absurda, inaceitável.
COMO SE MUDA ESSA SITUAÇÃO?
Minha sugestão é tão simples que alguns dirão que é simplória. Mediante uma única emenda, tira-se da Constituição e transforma-se em leis complementares o que é excessivo nela. Há muitas questões que caberiam bem em leis, em decretos, até em atos normativos. Por que estão no texto constitucional? Porque os constituintes tinham medo de que suas aspirações viessem a ser negligenciadas pelo legislador ordinário e pelos governos seguintes. Então quiseram vê-las garantidas na Constituição, que só pode ser mudada com maioria de três quintos. Hoje começamos a entender que não é bem assim. Até sacrossantos direitos como a aposentadoria foram tocados por emendas à Constituição. E os governos, bem ou mal, de forma lícita ou ilícita, acabam conseguindo mudar o que querem. Então a constitucionalização é uma garantia ilusória. E maléfica, porque tornou muito difícil governar por processos decentes.
Marcadores: Ciência Política República faz-de-conta
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