O resgate do Brasil Colônia
Alfredo Bonduki FOLHA DE SP
Pequim é a nossa nova Lisboa; um política focada em exportar produtos primários à China leva à dependência e à corrosão da manufatura brasileira
O Brasil se tornou independente de Portugal há 189 anos. Depois de uma
história, como nação soberana, permeada por governos de exceção e
regimes voláteis, o país, desde a campanha das "Diretas Já" (1984),
parece ter consolidado uma firme democracia, que resiste às mais duras
provas.
A liberdade política, contudo, parece não ter afastado de modo
definitivo o estigma do colonialismo. Estamos trocando a antiga
subserviência econômica ao fraterno povo lusitano por uma nova
dependência da China.
A exemplo do que fazíamos há mais de dois séculos, quando éramos meros
fornecedores de riquezas naturais e de minerais para Lisboa, recebendo
em troca poucos bens de valor agregado, estamos exportando para Pequim
produtos essenciais e de alta relevância nesta era da sustentabilidade,
como petróleo, ferro e soja. Por outro lado, estamos importando um monte
de quinquilharias. E pior: estamos pagando por elas preços de produtos
de alto valor agregado.
Por conta desse equívoco estratégico em termos de política industrial, a
indústria de transformação brasileira fechou 2010 com um deficit
superior a US$ 70 bilhões em sua balança comercial. Existe ainda o risco
de que esse valor, fechadas as contas de 2011, ultrapasse US$ 90
bilhões.
Apenas a indústria têxtil e de confecções terá saldo negativo de US$ 5
bilhões. Em meio ao potencial de nossa economia em um mundo tomado por
graves crises, parece que não estamos percebendo a corrosão de nossa
manufatura, com um perigoso avanço da sinodependência.
Graças a uma correta ação de nossa política econômica, temos reservas
cambiais superiores a US$ 350 bilhões e uma situação fiscal equacionada.
Portanto, não precisamos, como os EUA, que os chineses comprem títulos
de nossa dívida.
Assim, não devemos temer qualquer represália à adoção de medidas mais
eficazes de proteção comercial. Estamos sofrendo uma concorrência muito
desigual no que se refere à qualidade dos produtos, à manipulação
cambial, ao respeito às condições sociais e trabalhistas, aos cuidados
com o meio ambiente, à utilização de insumos saudáveis e às práticas
civilizadas no tocante às leis de mercado.
O governo brasileiro argumenta que a China é o nosso maior parceiro
comercial e o principal comprador dos nossos produtos. Por isso, devemos
ter muito cuidado para não ferir as suas suscetibilidades, pois isso
poderia reduzir as importações chinesas, afetando a nossa balança
comercial.
Ora, tal justificativa não é suficiente para fazer com que o Brasil se
resigne à dependência, conformado em ser parceiro da África no
fornecimento de produtos primários à potência asiática.
O ministro Guido Mantega já afirmou que o Brasil somente seria afetado
pela crise se a China reduzisse as suas encomendas, algo que já
demonstra a nossa dependência.
A indústria brasileira está fazendo o seu papel, investindo pesadamente
em inovação, em modernização e na ampliação da sua capacidade. A
indústria têxtil sozinha investiu US$ 2 bilhões em 2010. Temos um parque
industrial moderno e pujante, que garante uma pauta diversificada de
exportações.
Mesmo que o país se imponha mais no comércio bilateral, os chineses
continuarão precisando -e muito- de nossas commodities, dos nossos
alimentos e do nosso aço, além de outros produtos.
É necessário, também, aproveitar e valorizar a força do ascendente
mercado interno nacional. Há algum sentido estratégico em aumentar a
exportação de fibras de algodão e, ao mesmo tempo, ampliar o volume de
roupas importadas? Não temos nenhuma razão para reinstituir o Brasil
Colônia.
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