sexta-feira, maio 06, 2011

COLUNA DO SPC, NO JORNAL A GAZETA

Do Boteco ao Hiper-Max (reescrito de 1984)
             

Itararé, 1945, dois primos Ferreira se encontram, o mais velho, homem pacato, boa praça, dono de um boteco pingueiro, gosta de tocar sanfona e matar o bicho com cachaça e fernet, vive do que apura no boteco, o que não é grande coisa, pois não gosta de parar de tocar para atender o freguês que insiste: “O Zico, faiz pra nóis dois sangüiche de mortandela e abre uma Hamburguesa e dois copo”. E outros pedidos que a sanfona, já velha de bailes e babo de pinga, sufoca com seu som estridente.

O outro primo é um rapagão corado, 18 anos, inteligente, tem dois contos de réis na algibeira, uma porção de idéias na cabeça e a vontade louca de vencer na vida. Ganhou o dinheiro do pai, Zé Ferreira, quando ele vendeu um sítio e viu que era hora de o filho tratar da vida por si. Ele então comprou o boteco do primo sanfoneiro e logo de cara o estabelecimento mudou de feição e de fregueses, enquanto a voz grave do jovem varão ressoava pelo recinto, agradando mais que a sanfona do primo, era o fim dos sangüiches de mortandela e dos mata bichos no boteco moribundo. Confiante, ele assume o velho balcão, sabia que o boteco era bom para cachaceiro contar causos, mas que não garantia o futuro de ninguém. Daí mudar para armazém de secos e molhados foi um piscar de olhos. Sei disso porque meu pai tinha um botequim no Ibiti, que eu tomava conta depois da escola, e era no ex-boteco que eu lotava a charrete com caixas de cerveja, pinga, gasosa Vilela, fumo de corda, bolachas e tudo mais a preços que nenhum comerciante da época conseguia encarar. O rapagão de olhar ligeiro, sorridente, lápis bem apontado, caligrafia esmerada e vibrando em alto diapasão, atraía a freguesia como a luz atrai as mariposas no verão. Começava ali, a sua ascensão rumo ao sucesso.

Manias que dão certo

Ele sempre teve um jeito especial para negócios, era o mais velho de nossa turma de molecagens pelas ruas de Itararé e, também, o mais esperto, mas não gostava de traquinagens, ele gostava era de negociar com a turma. Ainda gurizão, fazia ou mandava fazer, caminhõezinhos de madeira, de puxar, e vendia para quem tivesse miliquinhentos réis na mão, e só vendia à vista, como até hoje. O tempo passou e ele cresceu em riqueza e experiência, no lugar do boteco construiu um novo prédio e ampliou seu negócio: os comerciantes mais antigos, alguns tradicionais na cidade, não conseguiam concorrer com ele e fechavam as portas. Com o sucesso, surgem as intrigas, eternas parceiras da inveja, contudo, o seu voo é alto demais para ser alcançado, ele se mitifica e seu nome se torna símbolo de riqueza, de sorte e de sucesso. Entretanto, o destino lhe dá uns trancos, moço ainda morre a esposa, mas lhe deixa um filho, semente que irá germinar outros negócios e aumentar, ainda mais, o que já é grande. É a bênção que todo pai espera, segundo Coelho Neto.

A ostentação é inevitável, jovem e livre, as suas asas de Ícaro só evitam o sol em busca do infinito. Tem o melhor carro da cidade, sendo assediado pelas garotas mais bonitas, os lábios mais sensuais clamam pelos do garanhão-empresário, viúvo, bonito e rico. Ele aproveita, claro, mas o coração não entrega a ninguém, amor, só biológico, por isso, ele não ama a mulher, ama as mulheres, como dizia o poeta Vargas Villa.  A sua fama de Dom Juan perdura até hoje, não perdeu o brilho nem a audácia a ferir os brios dos machões de chifres longos; seus hábitos são como os de um monge: não bebe, não fuma, não pesca, não paga cafezinho, não vende fiado nem aceita cheque de parentes, não perde missa aos domingos e quando inaugura uma nova loja, lá está a figura afável do padre, abençoando tudo e a todos. Das suas manias, a mais conhecida é o seu irremediável pão-durismo, que se tornou folclórico no anedotário local e a mais notável é a do venha a mim tudo ao vosso reino nada. Ele tem carisma e simpatia que a todos envolve com seu jeito bonachão, transmite confiança no que diz mesmo quando só a ele interessa. Dizem que teve sorte, mas a sorte ajuda quem até aos domingos e feriados é visto a conferir preços, a olhar em volta as prateleiras como se espargisse água benta da riqueza no recinto. Como seu conterrâneo, quis fazer este relato não só como tributo ao saudosismo, mas, sobretudo, para lembrar aos jovens que quem trabalha com a firme disposição de vencer abre as portas do Êxito e da Riqueza, aproveita bem o seu tempo e ainda ajuda a sorte a ajudá-lo. 

Meu amigo Gumercindo, você venceu.
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