domingo, fevereiro 27, 2011

Sim, o Brasil é uma democracia, mas nosso nível de oposição está ficando perigosamente baixo

O Brasil obviamente não é a Líbia, mas falta de oposição ou oposição muito fraca, ou sem caráter, nunca dá em boa coisa. Eu não penso que tenhamos chegado a tal situação. A oposição não está zerada. Bem ou mal, para isto a eleição de 2010 serviu. O eleitorado não deu seu aval a uma concentração de poder do tamanho que Lula desejava.

O problema, como diria o Conselheiro Acácio, é que há vários problemas. O primeiro é a estrutura partidária. Temos dúzias de partidos, mas não temos nenhum capaz de se posicionar claramente como oposição. Nenhum com unidade, consistência e vocação para esse papel. Acrescente-se  que todos eles sofrem um poderoso efeito de fragmentação em razão do sistema federativo, do sistema eleitoral vigente, do troca-troca entre as legendas e de mais isto e mais aquilo, e este primeiro quadro estará completo.

Neste primeiro estágio o filtro já terá retido pelo menos um terço do ânimo oposicionista que seria necessário para termos uma democracia robusta, com governos dispostos a tratar os cidadãos com o devido respeito.
Um segundo problema são os tremores geológicos que a sucessão presidencial sempre aciona no interior das principais agremiações. Para azar dos eleitores que anseiam por ouvir timbres de oposição,  neste quesito o epicentro é o PSDB, justamente ele que em tese reuniria condições para se posicionar com competência e clareza. No Congresso a bancada tucana é pequena, mas o partido fez um bom número de governadores, inclusive os dos dois maiores estados, São Paulo e Minas Gerais.

Mas não é preciso ser adivinho para antever o efeito paralisante que as aspirações perfeitamente legítimas de Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin poderão novamente acarretar ao PSDB.

Por último, mas não menos importante, existe um problema, digamos assim, comportamental. Alguém já disse que a parte mais flexível do corpo dos políticos brasileiros é a espinha dorsal. Eu não vejo como alguém possa discordar desta afirmação. O que podemos discutir é a causa de tal flexibilidade: há quem diga que é uma questão de caráter; há quem veja uma conexão mais estreita com verbas, cargos e empregos para apaniguados; e há quem julgue tratar-se de ambas as coisas.

O fato, em qualquer caso, é que o governo federal pesa uma barbaridade no conjunto da sociedade brasileira. Pesa como arrecadador e acumulador de recursos, como empregador, financiador de projetos, implementador de programas sociais, distribuidor de prestígio…, e portanto até como eleitor. Ai do senador, deputado, governador, prefeito, alto servidor na administração pública ou diretor de estatal – ou aspirante a qualquer dos anteriores – que a ele se contrapuser e permanecer em sua alça de mira.

Não duvido que o último dos três fatores citados explique a feroz disputa em que o PMDB e o PT se engajaram nas últimas semanas. Ostensivamente, o que está em jogo é a medalha de mais fiel do ano no que tange a votações de interesse do Executivo, mas é óbvio que as recompensas extravasam a esfera simbólica. Informa-se que, uma vez consumada a votação do valor do salário mínimo, e como que por milagre, reabriram-se as nomeações para o segundo escalão.

Eu me propus falar de três fatores, mas já vejo a necessidade de um quarto. Como é que um Legislativo forte, altivo e cioso de suas prerrogativas poderia emergir do quadro humano e partidário que acima esbocei? Pelas graças de qual alquimia?

Não digo que seja impossível, mas penso que um comportamento verdadeiramente institucional dificilmente acontecerá num Legislativo que já não conta com um Ulysses, um Montoro, um Tancredo, um Covas ou um Djalma Marinho, para ficarmos só nestes.

A imagem que o atual Congresso me inspira é antes a de uma Salomé enlouquecida que prazerosamente entrega ao Executivo a sua própria cabeça, em vez de exigir-lhe a de São João Batista.

Mas aqui, infelizmente, eu já não estou falando em tese. Isso é o que o Congresso acaba de fazer sob a forma de uma delegação legislativa para o Executivo fixar por decreto os próximos reajustes do salário mínimo.

E ainda há quem estranhe ele ser visto por uma grande parte do país como uma entidade imprestável, subserviente e dispendiosa para os cofres públicos.

1 Comments:

Anonymous PC said...

O Lamounier tem razão, mas esqueceu de citar a situação do Estado de São Paulo que também é nociva à democracia, que para o bom andamento prega a alternância de poder, pois bem, os tucanos estão governando o Estado mais rico da nação há pelo menos 16 anos, e nesse período como em todos os governos, o PSDB não foge a regra, mutretas e picaretagens não faltam, e a oposição não consegue instalar nenhuma CPI para investigar uma série de irregularidades conhecidas e divulgadas amplamente pela imprensa, exemplos como o caso da Alstom, obras do rodoanel, etc, ficam tudo sem uma resposta à sociedade que vê o dinheiro de seus impostos sendo consumido por esquemas de corrupção, propinas e diversas falcatruas. Não aidanta, mesmo na democracia, governos e partidos que se perpetuam no poder, deixam um enorme rastro de mazelas e desmandos, se acham acima do bem e do mal.

3:34 PM  

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