A canalha
Autor(es): Almir Pazzianotto Pinto | |
Correio Braziliense - 03/02/2011 | |
É no lumpemproletariado, isto é, na canalha, que corruptos de todas as cores e matizes arrebanham votos por ocasião das eleições, mediante compra, troca ou meras promessas de recompensa. Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), aposentado Marx e Engels, no incendiário Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848, exaltam os méritos das classes trabalhadoras e condenam ao fogo do inferno o capitalismo, apontado como etapa de transição para utópica ditadura do proletariado. Não deixam, contudo, de assinalar a existência, em patamar inferior ao dos burgueses e proletários, de camada denominada lumpemproletariado, descrita como “essa putrefação passiva dos mais baixos estratos da velha sociedade”. Segundo os autores do catecismo comunista, o lúmpen “pode, aqui e ali, ser arrastado ao movimento por uma revolução proletária”. Todavia, “as condições de existência o predispõem bem mais a se deixar corromper por tramas reacionárias”. Em língua portuguesa, lumpemproletariado é o nome da “canalha”, coletivo constituído pelo submundo destituído de consciência cívica, de princípios éticos, e descomprometido com os objetivos da nação. É no lumpemproletariado, isto é, na canalha, que corruptos de todas as cores e matizes arrebanham votos por ocasião das eleições, mediante compra, troca ou meras promessas de recompensa. Na França, a canalha, mobilizada pelos intelectuais que se insurgiram contra a monarquia em nome da liberdade e do regime republicano, destronou e guilhotinou Luiz XVI e Maria Antonieta. Na falsa defesa dos mesmos princípios, o Tribunal Revolucionário, sob a influência do psicopata assassino Jean-Paul Marat, implantou a ditadura e o terror (1793-1794). Dia após dia, durante hediondo período da história da França, a turba formada por desordeiros, criminosos e megeras se acercava da guilhotina e vibrava diante da decapitação dos condenados, entre os quais tombaram Danton, Camille Demollin, Robespierre. Sobre o tema, Stanley Loomis escreveu o extraordinário livro Paris sob o terror, editado em 1965 pela Civilização Brasileira. O historiador Demétrio Magnoli, em artigo publicado há dias em O Estado, ao proceder à análise da realidade brasileira, refere-se à “delinquência atávica de uma elite política hostil ao interesse público”. A expressão delinquência atávica é perfeita, mas se tornaria melhor se dissesse, ao invés de elite, a canalha. A América Latina, com algumas exceções, tornou-se o paraíso da canalha, responsável pela entrega do poder a ditadores, oligarcas, velhos coronéis, demagogos e corruptos, que governam países e estados como propriedades particulares. A tragédia que se abateu sobre o Rio de Janeiro e, em escala menor, desaba anualmente sobre bairros de São Paulo, é responsabilidade da canalha, não das chuvas. Desde antes de Cristo o homem convive com calor, frio, tempestades e períodos de seca. Os primeiros capítulos do Velho Testamento relatam a criação do homem, a depravação a que chegou, e como Deus decidiu-se castigá-lo fazendo chover. Do dilúvio só se safaram a família de Noé, sete casais de animais puros, e um par de impuros, abrigados durante 40 dias no interior da Arca. Chove muito no sudeste do Brasil, entre novembro e dezembro. O erro não está na precipitação pluviométrica, mas na atuação criminosa de quem estimula a derrubada indiscriminada de matas, a devastação da natureza, a construção de moradias em áreas sujeitas a inundações, avalanches e desmoronamentos. Durante o regime militar (1964-1985), o povo esteve impedido de exercer o direito de escolha dos representantes políticos. Não respondia, assim, pela qualidade dos governantes. Restabelecido o regime democrático, a soberania foi-lhe devolvida, para ser exercida “pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, de igual valor para todos”, conforme o artigo 14 da Constituição. O regime democrático aparenta certa fragilidade diante da canalha, cuja libertinagem estimula a ascensão de políticos venais. Não há, no exercício de mandato legislativo, ou executivo, quem não haja sido eleito pelo voto. Excelentes valores, como Arthur Virgílio, Tasso Jereissati, Marco Maciel, viram-se, porém, derrotados. Como justificar a despreocupação do poder diante de urgentes necessidades nacionais, ou a indiferença à desgraça em que vivem os mais humildes, como se vê no Rio de Janeiro? A explicação está em que a canalha escolhe candidatos mais ou menos segundo o princípio do “rouba, mas faz”, ignorante das nobres responsabilidades dos poderes Legislativo e Executivo, por laços de compadrio, de mera submissão, ou incorrigível tendência à corrupção, conforme alertaram Marx e Engels. |
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