quinta-feira, dezembro 23, 2010

Congresso muda para continuar igual

Correio Braziliense - 23/12/2010
 
Do recesso ontem iniciado à posse, em fevereiro, dos novos deputados e senadores, a moribunda legislatura mais nada poderá fazer para limpar a própria imagem perante a história. A sucessão de escândalos que produziu teve força para derrubar um presidente e um diretor-geral do Senado, além de um corregedor da Câmara, mas não para evitar a contaminação dos próximos mandatos. Pelo contrário. No apagar das luzes, as duas Casas montaram nos bastidores e executaram em um único dia operação que deixou vexada a nação, elevando os próprios subsídios em 61,8%, equiparando-os — como também os do presidente e vice-presidente da República e os dos ministros de Estado — aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Com a manobra, os parlamentares passarão a ganhar quase R$ 27 mil mensais, valor praticamente igual ao que cada um tem direito a gastar hoje, por mês, com passagens aéreas, locação de veículos, hospedagem em viagens às bases, consultorias e até alimentação. Acrescente-se à conta mais R$ 60 mil para o pagamento de funcionários nos gabinetes — fantasmas entre eles. Fora isso, estão aptos a apresentar até R$ 12 milhões por ano em emendas autorizativas ao Orçamento da União e R$ 25 milhões em emendas de bancadas. Poderiam, ao menos, ter dado de retorno à sociedade uma reforma política que eliminasse ralos e vícios e garantisse transparência ao exercício da nobre função para a qual foram eleitos. Essa, a maior dívida que deixam.

Só a fórceps, pressionados por iniciativa popular subscrita por 1,6 milhão de eleitores, aprovaram a Lei da Ficha Limpa. Assim mesmo, cuidaram de deixar brechas por onde nem notórios envolvidos com a lei tiveram dificuldade de passar. A legislação eleitoral tampouco foi corrigida para pôr fim à promiscuidade no financiamento das campanhas. Outra aberração, o senador sem voto, suplente que não precisa se submeter à vontade popular para assumir cadeira na Câmara Alta, é mais uma herança maldita. Enfim, que ninguém se iluda, a farra com o dinheiro público seguirá plena na legislatura que se iniciará em fevereiro, acobertada pelo manto do corporativismo. Não dá para se contentar com avanços como o extermínio da CPMF e a aprovação da Lei Seca, quase nada para os quatro anos de mandato que chegam ao fim.

É sintomático que o deputado federal eleito com a maior votação proporcional do país, José Antônio Reguffe (PDT-DF), tenha se notabilizado pela radical rejeição das vantagens imorais a que parlamentares costumam se agarrar com unhas e dentes. Distrital, ele se contentou, desde o início do mandato, em ter nove funcionários no gabinete, dispensando 14, e abriu mão do 14º e do 15ª salário, ficando apenas com os 13 a que tem direito o trabalhador brasileiro. As urnas reconheceram a conduta e lhe conferiram 18,95% dos votos brasilienses. Mas é igualmente sintomático que o deputado federal eleito com a maior votação nominal — o palhaço Tiririca (PR-SP), cuja campanha foi de escárnio com o sistema (“pior do que está não fica” era o slogan) — leve para a Câmara três companheiros que não chegariam lá com as próprias pernas, pois não atingiram o quociente eleitoral. Assim segue a vida legislativa brasileira.
Google
online
Google