Vamos à parte final da travessia dos tropeiros do parmesão. Como é que esse queijo surgiu nessa parte da Mantiqueira? A tecnologia é européia e teria sido trazida, em uma versão, por um dinamarquês que foi viver em Cruzília; em outra versão, por um italiano que veio morar em Alagoa.
O fato é que em Itamonte, Baependi, Bocaina de Minas, há muitas fabriquetas do parmesão cuja receita o Globo Rural foi conhecer.
Se há uma coisa que não dá para sentir na travessia é tédio. A cada trecho, um obstáculo novo. Depois dos lameiros, uma ribanceira seca. A tropa desce triscando os cascos na laje.
Vixe! E agora? Cadê o caminho? Cadê o comboio? Alcançando um outro descampado, a neblina toma conta de tudo. A paisagem some.
No cenário brumoso, o grupo surge como se fosse do nada. O nevoeiro retarda o passo por um bom trecho. Temos já cinco horas de estrada e mais duas ou três pela frente. É quase certeza que não vamos chegar com dia claro.
O atraso, no entanto, não impede uma breve, mas obrigatória pausa da tropa. Para uma trilha que atravessa tantas áreas de floresta essa tem uma característica, meio, contraditória. Tem muita umidade, mais pouca água. Em 30 quilômetros só há uma única fonte. A primeira, e derradeira, oportunidade para se beber água no caminho.
Falta no topo, mas é generosa nas partes mais baixas da Mantiqueira. Você sabe onde essa água vai parar? No Oceano Atlântico, pelo rio da Prata, entre Uruguai e Argentina.
Brincando um pouquinho com a Geografia, fazemos o sentido inverso dela, subindo o Brasil pelo rio Paraná e já tomando o caminho de casa pegamos o rio Grande que vai ter como afluente o rio Aiuruoca.
Olhaí: estamos na cabeceira do Aiuruoca que é servido neste ponto por um corguinho chamado de Brejo do Lapa, cuja nascente está nas costas da propriedade do nosso tropeiro Jesuel.
Esse ribeirão, cheio de quedinhas sobre pedras cobertas de musgo, é um dos orgulhos dele. A água pura dessas nascentes é a que o gado daqui bebe para produzir o leite com o qual se produz o queijo que o Jesuel e os outros tropeiros levam para vender.
Como faz o Vanderlei Pena, o sobrinho do Sr. Zequinha, que montou uma queijaria no alto da Serra Negra, principal cabeceira do Aiuruoca.
Além do que ele próprio ordenha, Vanderlei Fonseca recebe também leite dos vizinhos. Gente que, logo na primeira hora da manhã, vem chegando de mansinho, com os latões pendurados nos burricos.
O xará Vanderlei, só que Fonseca, é um dos primeiros. "Eu vim de um quilômetro daqui. É pertinho. Eu trouxe uns 30 litros", diz um queijeiro.
É tudo pequeno, aliás, microprodutor. O Sr. Baltazar Fonseca traz é um tiquinho. Nem precisa de cangalha, vem na mochila que carrega nas costas. "Sete litros. É uma produção pequena. A época não está ajudando, eu estou com uma vaca só dando leite. Eu demoro dois quilômetros para vir até aqui. Dois para ir e dois para voltar", afirma o agricultor.
Juntando tudo, Vanderlei soma 250 litros em uma vasilha grande de alumínio a que chamam aqui de caldeirão ou tacha.
Você que já acompanhou no Globo Rural a fabricação de outros queijos artesanais brasileiros como o Minas Canastra, o rústico do Nordeste, por exemplo, vai perceber umas diferenças: primeiro, por causa do frio, aqui, é preciso esquentar o leite.
A colocação do coalho e a adição do fermento, parte do soro do dia anterior, são semelhantes. Também não há pasteurização, mas uma vez coalhada e cortada a massa, o fogo é aceso de novo.
É um passo tecnológico a mais: o cozimento a 42ºC por 30 minutos, sem parar de mexer. "Sempre mexendo, se parar a massa fica muito grossa", afirma o Vanderlei.
Nas etapas seguintes, Vanderlei conta com a ajuda da esposa, a Sueli. Ela põe a massa na forma, leva para a prensa. Retira dos pesos, revira a peça e põe na prensa de novo. No dia seguinte, quando desenforma de vez, olha outro detalhe a mais, põe o queijo em uma barrica de salmoura.
A peça pequena fica um dia e a grande três dias na salmoura. Depois, vem um breve tempo de descanso, com sal ainda, na bancada de madeira.
O acabamento do parmesão na Mantiqueira não é demorado. O grande de cinco quilos leva 15 dias e o pequeno de um quilo em cinco dias vai estar pronto para deixar a queijaria.
Embora não seja um queijo cremoso, ele tem uma aparência cremosa, uma consistência firme. Ele tem vocação para cura e pode ficar duro como o parmesão tradicional. Mas, Vanderlei explica, que a preferência é por consumi-lo ainda jovem.
"Você precisa de dez até onze litros para fazer um queijo de um quilo. O de cinco quilos, você gasta 50 litros", explica Vanderlei.
A família de Vanderlei mexe também com horta, tem uma criaçãozinha de porcos. A Sueli e as filhas Natalia e Alessandra, como muita gente na região, fazem um artesanato muito bonito, mas o garantido mesmo da semana é o queijo.
Geralmente, toda quinta-feira à noite, o fusca do Vanderlei é visto chegando à casa do Jesuel. Por estar em uma quebrada de difícil acesso, o combinado é que o próprio Vanderlei faça a entrega da mercadoria. Nos canudos ele traz 21 peças dos pequenos e mais oito dos grandes.
Chacoalhando nos jacás, os queijos do Vanderlei e de outros produtores da região entram agora na reta final da travessia na serra. Parte do obstáculo mais temido da viagem dos tropeiros do parmesão.
Além da chance de se perder na neblina, escorregar na pedra, o cargueiro tombar, há o risco que faz o coração da gente disparar na trilha. É o perigo de cair na ribanceira. Na linguagem dos tropeiros, uma passagem estreita assim tem o nome de 'passo'.
Já deu nome a muitas localidades Brasil afora: Passo Fundo, Passa Quatro, Passa Vinte. O nome dessa daqui é "Passa Um". Dá um frio na barriga, é o momento mais tenso da viagem.
O mato esconde os abismos, mas tirando a vegetação estamos no fio do facão do precipício. O caminho não tem a largura da mesinha de um bar. Se aparecer alguém do outro lado, imagina. Como é que faz para a mula voltar?
Felizmente, o 'passa-um' passou, sem nenhum revés, mas o passo compassado do dia, talvez até por conta das gravações, atrasou a viagem. Já é de noite quando avistamos as primeiras luzes do nosso destino.
O casco da tropa canta no asfalto, finalmente, às 19 horas. Para quem saiu de casa às 10h, hein? Nove horas de jornada e cada um pega um rumo. Jesuel e Natanael vão para à direita, Paulinho e Jair tomam a esquerda.
Mesmo no escuro, os tropeiros começam a distribuição das encomendas. Dona Corina do Nascimento, que é de São Paulo e tem casa de campo, há 20 anos é freguesa de caderneta do Jesuel.
O marido dela, Sr. Carlos, industrial, é quem ilumina os jacás para facilitar a separação das mercadorias. A família toda está aqui hoje: a nora Talita, o filho Eduardo e o netinho Dudu. Ajudam na escolha dos produtos caseiros que na cidade grande não encontram.
Os tropeiros vão até tarde da noite fazendo entregas. O Paulinho atende dona Maria da Cunha que tem uma pousada. Ela pega ovo caipira, geléia de moranguinho da serra e, é claro, o parmesão da Mantiqueira. "Hoje eu vou comprar dez queijos dele, mas ele só pode me deixa oito".
Na manhã seguinte, ainda há muito serviço por fazer em Visconde de Mauá que está sempre cheia de turistas. Gente que gosta das montanhas, que vem apreciar as belezas da Mantiqueira, que gosta de se banhar na cachoeira da Maromba e tentar até um surfezinho na serra pela laje em forma de tobogã.
Os cargueiros também fazem parte do leque de atrações. O trotar das mulas do Jesuel é música no pátio de um hotel.
Dona Fátima Paiva, a dona, leva logo uma baciada de coisas gostosas que vão fazer a alegria dos hóspedes na apetitosa mesa do café da manhã. É uma festa de sabores que por si só já vale a viagem.
"Ele não é tão salgado, ele é um queijinho mais mole. O parmesão normalmente é duro, esse não ele é mais macio", afirma a comerciante, Eliane Cristina de Jesus.
"Ele tem uma mistura, um pouquinho do sabor do fogão a lenha, daquela coisa mais simples: salgadinho, sequinho, do interior da casa da avó", diz o comerciante, Marcos Lopretti.
"Tem a história, que a gente vê, ele chegando de mula, por cima do morro, você sabe que é fresco", conclui o comerciante, Waldemir de Quadros.
Satisfaz o consumidor, mas e o tropeiro fica satisfeito também. De volta às grimpas de Itamonte, eu perguntei a cada um deles: "Vale a pena o sacrifício?". Dá prá tentear", foi a resposta. Um lucrinho de R$ 200 por viagem.
Exceção do Jair que já disse, olha, não vê a hora de largar essa vida, os outros querem continuar. Paulinho, pela aventura; Natanael, porque acha divertido; e o Jesuel, que já podia até se aposentar, não larga por um sentimento interessante: ele se considera assim um mensageiro. Que não pode frustrar quem está esperando do outro lado da serra.
"O pessoal acostumou toda a semana a gente lá. Quando não vai, eles sentem falta. Eu sou um tropeiro feliz, me sinto feliz, um tropeiro feliz", conclui.
A volta não foi nada demorada. As mulinhas conhecem a volta de cor. Com os balaios vazios, foi só soltar na trilha e elas bateram na frente. Em cinco horas, todo mundo já estava em casa.
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Queijo ParmesãoIntrodução
O Parmesão é um queijo de origem italiana e suas principais características são o baixo teor de umidade e a textura granular, o que vale o nome de queijo Grana. Este queijo nasceu no Vale do Pó por volta de 1200 ou antes. Nesta época esta região, localizada às margens dos rios Reno e Pó era considerada o centro mais importante de fabricação de queijos na Europa .
O Parmesão se apresenta sob forma cilíndrica, com faces planas, peso oscilando entre 5 e 6 kg. Sua crosta é grossa (4 a 8 mm), bem formada e lisa. A massa é dura, compacta e quebradiça, de untura seca, de cor amarelo-palha e odor e sabor picante e forte. No Brasil ainda é comum a fabricação a partir de leite cru ácido, o que pode dar origem a defeitos de textura e consistência (trincas) devido à má qualidade da matéria-prima. Uma boa parte da produção ainda é destinada à ralação.
O rendimento da fabricação varia de 12 a 13l/kg de queijo após sua maturação completa.
Composição
Umidade: | 28 - 32% |
Gordura: | 22 - 24% |
pH: | 5,3 - 5,4 |
Sal: | 2,0 - 2,5% |
Proteínas | |
Lactose | |
Tecnologia de fabricação
Leite: de boa qualidade, com acidez entre 15 e 18ºD, padronizado para 2,0-2,5% de matéria gorda. O uso de leite integral pode deixar o queijo com consistência macia e com excesso de separação de gordura durante a maturação ou quando deixado a temperaturas mais elevadas. O leite pode ser pasteurizado a 72ºC/15 seg. ou 65ºC/30 min.
Ingredientes de fabricação:
Cloreto de cálcio: usa-se 20 g/100 l leite, ou seja, 40 mL/100 l de uma solução a 50%, encontrada no mercado. O cloreto de cálcio adicionado melhora a aptidão do leite à coagulação corrigindo a insolubilização de sais de cálcio durante a pasteurização. Com isso, melhora-se as propriedades da coalhada e diminui-se as perdas de constituintes no soro durante o corte da mesma quando se trabalha com leite pasteurizado.
Fermento: usa-se 1% de fermento termofílico a base de Streptococcus thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp bulgaricus. Alguns fermentos são acrescidos de Lactobacillus helveticus para acelerar a acidificação e a maturação do queijo. Algumas fábricas usam o soro-fermento, que é o obtido da fermentação natural do soro resultante da fabricação do queijo.
Normalmente retira-se o soro ao final da fabricação e deixa-se o mesmo em repouso de um dia para o outro num latão de plástico para manter melhor a temperatura na faixa de 42-45ºC. Este tipo de fermento deverá apresentar-se aromático e com sabor ácido puro com uma acidez na faixa de 100-120ºD.
Hoje em dia este tipo de fermento tem sido substituído por fermentos concentrados para uso direto no leite no tanque de fabricação. Deve-se usar nesse caso o equivalente a 1,0% de fermento. Neste queijo o fermento é importante para atribuir suas características como o sabor e a consistência firme e quebradiça.
Lipase de cabrito: adicionada ao leite para conferir ao queijo um sabor picante característico. Em leite pasteurizado aconselha-se adicioná-la pois a pasteurização modifica a lipase natural e, com isso, o sabor do queijo é prejudicado. Sua dose varia de acordo com o fabricante e com a intensidade de sabor que se deseja. Geralmente, varia de 4 a 8 g para cada 100 litros de leite.
Coalho: deve-se adicioná-lo ao leite a 32-35ºC em quantidade suficiente para haver a coagulação em 30-40 minutos. Sua dose varia de acordo com o fabricante, podendo ser usado na forma líquida ou em pó, desde que diluídos em água não clorada e adicionado lentamente ao leite sob agitação
Corte da coalhada: deverá ser cortada lentamente com o auxílio das liras (horizontal e vertical). A coalhada deverá ser cortada de maneira a obter grãos do tamanho de um arroz quebrado (grão 04). Neste momento o soro deverá apresentar uma acidez que equivale a 2/3 da acidez inicial do leite, ou seja, se o leite tem 18º D o soro dará 12ºD. Um cuidado importante é cortar a coalhada não muito firme, pois caso contrário há uma grande dificuldade de deixar os grão no tamanho ideal.
Mexedura: com auxílio de um garfo próprio iniciar a mexedura lentamente, sendo acelerada aos poucos.
Aquecimento: decorridos 20 minutos do início da mexedura, inicia-se o aquecimento da coalhada pelas paredes do tanque. Este aquecimento deverá ser bem lento de maneira que para aquecer 1ºC deverá gastar 2 minutos até a temperatura chegar 44ºC. Nesse momento, o aquecimento poderá ser mais rápido: 1ºC/minuto até chegar a 48ºC quando o leite for pasteurizado e estiver usando lipase. Junto com o aquecimento a coalhada é agitada mais rapidamente para evitar que os grãos embolem e solte bem o soro. Termina-se a mexedura cerca 60-80 minutos após o corte da coalhada.
Ponto da massa: é dado ao final da mexedura e na prática observa-se pela consistência dos grãos, que se apresentam bem firmes; a massa apresenta-se borrachenta e os grãos se apresentam bem secos. Nesse momento, a acidez do soro deve ser 2 a 3ºD acima daquela encontrada no corte da coalhada.
Pré-prensagem : para pequenos volumes de leite é opcional, ou seja, no ponto retira-se parte do soro e coloca-se a massa diretamente na forma forrada com o dessorador que poderá ser de naylon ou de tecido tipo morim. Para grandes volumes, no ponto drena-se parte do soro, transfere-se a massa para a extremidade oposta a saída do tanque e com auxílio de placas de aço inoxidável cobre-se a massa e coloca-se sobre esta um peso equivalente ao dobro do peso da massa no tanque ou seja para cada 100 litros de leite será necessário um peso de 20 kg.
Prensagem: é realizada em prensa individual ou coletiva vertical que pode ser por peso ou por ar comprimido. Para prensa individual ou coletiva vertical por peso aconselha-se:
· 1ª prensagem = 60 minutos com uma pressão equivalente a 7 vezes o peso do queijo .
· Após 60 minutos, retirar os queijos da prensa, das formas, do pano, virá-los e voltar novamente para a prensa.
· 2ª prensagem: até o dia seguinte com uma pressão equivalente a 14 vezes o peso do queijo.
· No dia seguinte, retirar os queijos da prensa, da forma, do dessorador, virar os queijos, colocá-lo na forma sem o dessorador e prensar novamente durante 20 minutos com uma pressão de 7 vezes o peso do queijo. Neste momento o pH do queijo deve ser de 5,0-5,2.
Salga: em salmoura a 10 -12ºC, com 20% de sal durante 5-7 dias.
Secagem: após a salga os queijos são conduzidos a uma câmara a 10-12ºC durante 3-5 dias para secagem.
Maturação: de preferência em ambiente refrigerado a 12-16ºC, com Umidade Relativa do Ar (URA) na faixa de 80-85%. A maturação do queijo Parmesão dura de 6 a 12 meses e durante este período o queijo deverá sofrer os seguintes tratamentos:
· Viragem: durante todo o período de maturação a cada 3-4 dias.
· Após 30 dias de maturação: aplicação de óleo de dendê, soja ou linhaça a cada 15 dias para impermeabilizar a casca impedindo a perda contínua e umidade e tornar a casca mais flexível e impedir o crescimento de mofos.
A maturação segue até completar, no mínimo 6 meses. Quanto à embalagem, há empresas que embalam o queijo em películas plásticas termoencolhíveis logo após a secagem, diminuindo sensivelmente a mão de obra. Mas, por outro lado, as características do queijo também são modificadas. O Parmesão deve ser embalado após 3-4 meses de maturação ou ao final desta. Após a maturação os queijos são comercializados ou estocados a 2-4ºC. Nesta temperatura o queijo pode ser estocado por mais 2 anos.
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