Lula diz não querer terceiro mandato, mas continua a dizer tolices
O título acima, como deve estar claro, é meu. O que segue é trecho de reportagem de Eduardo Scolese, publicado na Folha desta quarta. Comento em seguida:
Dois dias após a divulgação de uma pesquisa Datafolha que aponta a divisão no eleitorado sobre o terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ontem a rejeitar essa possibilidade, mas se disse “muito feliz” com o apoio de tantos eleitores à sua reeleição.
As declarações do petista ocorreram em sua visita oficial à Cidade da Guatemala. Ao criticar a cobertura da imprensa sobre o tema, Lula disse: “E isso [a nova reeleição], se for feito democraticamente, ainda é assimilável. Porque é muito engraçado que as críticas que fazem aos presidentes da América Latina que querem um terceiro mandato não se fazem aos primeiros-ministros na Europa que ficam 16 anos ou 18 anos”.
Ele defendeu o debate na Venezuela e na Colômbia: “O [Hugo] Chávez quer o terceiro mandato. Ele vai se submeter às eleições. Uma hora o povo pode querer, outra, o povo pode não querer. O [Álvaro] Uribe está querendo o terceiro mandato. Tem de passar por um referendo. Ele pode querer, e o povo pode elegê-lo ou pode não elegê-lo. Eu não vejo nisso nenhum mal. O que acho importante é que todo resultado seja um exercício da democracia”.
Comento (comentário do Reinaldo):
Traduzindo: Lula queria, sim, o terceiro mandato — tanto é que não mandou que parassem com a coisa (e ele manda) —, mas desiste da idéia porque reconhece as dificuldades. Há dois argumentos furados na sua fala: um deriva de uma concepção autoritária de democracia. E o outro é má-fé ou ignorância.
A visão autoritária: “Se o povo quer, então pode”. Uma ova! Esse é o postulado de todos os neo-autoritários da América Latina: recorrem a instrumentos da democracia para solapá-la. E não! Não direi que um terceiro mandato de Álvaro Uribe seria equivalente a um terceiro mandato de Hugo Chávez. O primeiro só fortaleceu a democracia em seu país, onde a oposição não-armada tem plena liberdade de ação e manifestação. O outro já é o chefe de uma ditadura, esmagando a divergência e usando instrumentos de estado para perseguir opositores. Não são iguais, não, senhor! Mas, ainda assim, acho que Uribe cometeria um erro estúpido se optasse por mais um mandato.
Agora a ignorância ou má-fé: comparar regimes presidencialistas com regimes parlamentaristas. A ignorância é a hipótese benevolente. Não é possível que ele não saiba a diferença. No parlamentarismo, um voto de desconfiança pode derrubar o governo sem crise institucional. E o Parlamento rigorosamente divide o poder com o chefe do Executivo.
Como se nota, Lula está dizendo que não tenta o terceiro mandato só porque não quer, não porque não possa ou porque não fosse democrático. Não é bem assim. A emenda que lhe daria a chance de mais uma disputa seria de difícil aprovação no Senado. E teria um custo político imenso. Nem “O Cara”, com 180% de popularidade segundo o DataEstupidus, pode fazer o que quer. Não pode. O Brasil não é a Venezuela, o Equador ou a Bolívia. Por aqui, as instituições que o Apedeuta herdou ainda respiram.
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