quinta-feira, julho 17, 2008

Investigação ameaçada

Editorial, Folha de S. Paulo

A OPERAÇÃO Satiagraha dá ensejo a espetáculos constrangedores no alto poder federal. Anteontem, diante das câmeras, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, apresentaram-se na louvável tentativa de apaziguar tensões que os dividem desde a prisão de Daniel Dantas.
Louvável, mas inconvincente.

Talvez fosse necessário um especialista em leitura fisionômica para saber qual dos dois emerge como o maior derrotado do encontro que tiveram, pouco antes, com o presidente Lula.

O presidente do STF decidiu legitimamente pelo habeas corpus. Não se satisfez, entretanto, com a decisão jurídica; avançou, para depois recuar, contra um juiz de primeira instância que tinha entendimento diverso. Nada do que disse na entrevista coletiva da terça-feira redimiu os excessos retóricos de seu desempenho no caso.

Tarso Genro, que tem esperanças de surgir como candidato à Presidência, sofreu novo desgaste. É capaz, como se sabe, de bravatas político-jurídicas ao gosto dos que pedem punição sumária a suspeitos. Foi assim que manifestou confiança na condenação de Dantas, com mais espírito de oportunismo político do que autoridade para declarar o que quer que fosse nesse sentido.

Tanto entusiasmo de Genro com a ação policial, porém, foi logo solapado pela notícia do afastamento de três delegados do caso. O mais célebre deles deixou transparecer preconceito e ideologia num documento que se esperava técnico.

Ainda assim, e apesar dos abusos de que a ação se cercou, o balanço da operação da PF foi positivo. A saída dos agentes que a desencadearam, justamente quando o noticiário policial flagra um assessor do presidente da República em conversas e atitudes no mínimo inconvenientes, não reconforta os interessados na lisura institucional.

As impressões digitais de uma "operação-abafa" foram tão evidentes que obrigaram Lula a um de seus malabarismos retóricos. O delegado teria agora, segundo disse ontem o presidente, a obrigação "moral" de manter-se à frente do inquérito.

A direção da Polícia Federal, que não escondeu a contrariedade com a forma pela qual a Operação Satiagraha foi conduzida, também soltou nota, confusa, tentando eximir-se de responsabilidade pela saída dos agentes. Um teria de fazer um curso em Brasília, o que lhe tomaria o tempo hábil para dirigir a apuração; os outros dois teriam alegado razões pessoais. A defecção tripla, a crer no governo, seria portanto uma daquelas coincidências explicadas, quem sabe, por um alinhamento raro entre os astros.
A opinião pública, como se vê, terá de redobrar a vigilância para que as apurações policiais possam prosseguir em meio tão adverso, doa a quem doer. Será necessário que a sociedade se mantenha firme na posição de quem não se deixa iludir, não aceita conluio para evitar a investigação de poderosos, não teme revelações da imprensa e não considera "abuso de autoridade" a exposição dos bastidores inconfessáveis do poder.
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