segunda-feira, junho 02, 2008

“Por uma burocracia flexível”
Murilo Ramos, Época

O advogado espanhol Francisco Longo é diretor de uma das principais instituições de negócios da Europa: o Instituto de Direção e Gestão Pública da Esade (Escola Superior de Administração e Direção de Empresa), em Barcelona. Na semana passada, em Brasília, num congresso de especialistas em gestão pública, ele defendeu a introdução de algumas práticas empresariais no setor público como um meio de melhorar os serviços prestados à população no Brasil.

ENTREVISTA FRANCISCO LONGO
QUEM É
Formado em Direito, tem 57 anos e é consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

O QUE FEZ
Foi assessor de reformas administrativas na Espanha e um dos gestores das Olimpíadas de Barcelona, em 1992

O QUE PUBLICOU
É autor de livros sobre gestão pública e recursos humanos. Um deles é Mérito e Flexibilidade: a Gestão das Pessoas no Setor Público

ÉPOCA – O Estado no Brasil fica, por meio dos impostos, com 36% da riqueza gerada no país e ainda parece querer mais. Mas os serviços públicos prestados são péssimos. Como superar essa situação?

Francisco Longo – Nenhuma sociedade deve admitir que o Estado seja caro e ineficiente ao mesmo tempo. O que acontece no Brasil é tipicamente um problema de gestão. O governo não consegue atender às demandas crescentes da população, principalmente na área social, com os recursos de que dispõe. Uma das medidas para mudar esse quadro é profissionalizar a administração, o que permitirá resultados melhores.

ÉPOCA – De que maneira?

Longo – Levar conceitos da iniciativa privada para dentro do governo, como a meritocracia e a flexibilidade, é um caminho. O clientelismo e o nepotismo são práticas nefastas. Por que não recrutar os melhores e valorizar o trabalho dos servidores mais dedicados e produtivos? Essas pessoas se sentirão mais motivadas. A cultura da eficiência não é incompatível com o serviço público.

ÉPOCA – Mas, toda vez que o governo acena com mudanças, há uma reação feroz dos funcionários públicos.

Longo – Quase toda mudança produz resistência e incertezas. Essa não é uma realidade apenas brasileira. Se o governo tiver certeza de que as mudanças são necessárias, tem de usar seu capital político para levá-las adiante, apesar das críticas. O cenário ideal é o que chamo de “burocracia flexível”, que deve estar presente em democracias sólidas.

ÉPOCA – Algum país venceu essas resistências e implantou a burocracia flexível?

Longo – O Chile vive uma das experiências mais modernas do mundo no campo do recrutamento. Lá foi montado um comitê para buscar dirigentes de alto nível no mercado. Os critérios para a escolha são transparentes. São levadas em conta a capacidade técnica do indivíduo e a experiência. Os dirigentes podem ser contratados para um trabalho de três anos apenas. Quem disse que uma pessoa tem de ficar 20, 30 anos no mesmo lugar? O salário desses dirigentes é mais alto que o da média, um estímulo para o ingresso no serviço público. O rendimento varia conforme a importância do trabalho.

ÉPOCA – Qual é a garantia de permanência de modelos inovadores como esse em países instáveis politicamente como os da América Latina?

Longo – Tenho visitado vários países da região. Observo uma preocupação crescente de governantes com a qualidade dos serviços públicos e do desenho das instituições. Quando há um fortalecimento das práticas, dificilmente elas são banidas. Elas começam a fazer parte da cultura do país. Depois de algum tempo, tornam-se tão fortes que mudá-las requer um esforço grande demais.

ÉPOCA – No governo brasileiro, existem mais de 6 mil cargos de confiança. Não é demais?

Longo – É um número excessivo. O governo brasileiro deveria restringir esses cargos a assessores diretos dos ministros em que a confiança com o ocupante do cargo é imprescindível. Para outros postos, cabem os critérios objetivos.

ÉPOCA – O senhor foi um dos gestores das Olimpíadas de Barcelona, em 1992. Que dicas dá para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil?

Longo – Avaliem quantas vezes for preciso suas decisões. Em Barcelona, as Olimpíadas foram essenciais para revitalizar a cidade. Mas algumas obras se mostraram caras demais para o poder público após a realização do evento. O exemplo é o Estádio Olímpico de Montjuïc, que raramente recebe grande público.

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