terça-feira, fevereiro 12, 2008

'Segurança nacional não pode ocultar desmandos'
Felipe Recondo, O Estado de S. Paulo

Ministro defende o amplo acesso às informações sobre gastos públicos e diz que o cidadão tem o direito de controlá-los
Ministro mais antigo no Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello se diz preocupado com a possibilidade de o governo usar a o conceito de segurança nacional como argumento para manter despesas com cartão corporativo sob sigilo.
--A segurança nacional é uma razão que não pode ocultar desmandos administrativos e muito menos legitimar atos de improbidade administrativa, venham eles de qualquer órgão, afirma.

Em entrevista ao Estado, ele diz que a alegação de segurança nacional faz lembrar a ditadura militar e defende a publicidade e a transparência no trato dos gastos públicos.
--Tratando-se de matéria financeira, tratando-se de gastos governamentais, tratando-se de dispêndios públicos, o cidadão tem todo o direito de ser informado, porque ele é contribuinte e nessa condição a ele há de ser garantido o acesso às contas públicas.

Por que o sr. considera que todas as despesas do governo devem ser reveladas?

É preciso ter em consideração que há um dogma constitucional que proclama a ampla publicidade [Art. 37] de todos os atos estatais, ressalvadas situações de interesse público e de segurança nacional. Portanto, o princípio básico é o da publicidade, é o da submissão de todos os atos governamentais a um amplo escrutínio público para que o cidadão possa efetuar controle sobre dispêndios governamentais ou práticas emanadas do poder público que eventualmente ofendam e comprometam o princípio da moralidade administrativa, o princípio da impessoalidade e o princípio da legalidade.

Isso vale para todos os Poderes e para todos os postos hierárquicos?

Entendo que esses postulados têm ampla abrangência, porque se estendem a todos os setores da administração pública e atingem todos os Poderes da República, a significar, portanto, que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário não estão imunes a esse amplo controle social. Esse controle social atua como importante fator de legitimação material da própria atividade desenvolvida pelas diversas instâncias de poder.

O que o sr. acha de usar o conceito de segurança nacional para encobrir certos gastos?

Preocupa-me e preocupa-me muito, especialmente a alguém como eu que pertence a uma geração que foi fundamente atingida por atos de arbítrio quando vigente o regime militar e que foram praticados sob a invocação da segurança nacional. A segurança nacional é uma razão que não pode ocultar desmandos administrativos e muito menos legitimar atos de improbidade administrativa, venham eles de qualquer órgão. Não me refiro a nenhuma situação concreta, apenas falo em tese. É extremamente perigoso a qualquer governo invocar o princípio da segurança nacional.

Por quê?

Eu entendo que esse fascínio pelo mistério, essa atração pelo oculto, essa valorização da reserva sigilosa de atos governamentais é extremamente preocupante. Eu sempre me lembro de uma lição ministrada por Norberto Bobbio, que salienta que o que caracteriza e qualifica o caráter democrático de um regime político é a sua plena exposição aos atos de controle social. O regime democrático nada mais é, diz ele, do que a prática do poder público em público. E essa visibilidade é fundamental. Por uma razão básica: hoje vivemos num Estado de Direito, fundado em bases democráticas e regido por uma Constituição que não tolera o poder que oculta nem admite o poder que se oculta.

Então a Constituição define que deve prevalecer a transparência?

Há razões de ordem jurídico-constitucional e razões de natureza ética que impõem essa ampla submissão e exposição dos quadros do governo ao escrutínio público, que não é apenas desejado, mas determinado pela autoridade suprema da Constituição. O princípio da publicidade é básico.

Não é válido o argumento de segurança nacional?

É extremamente preocupante valer-se a administração pública do conceito de segurança nacional. O conceito de segurança nacional significou, no passado, uma opressão intolerável do Estado sobre os direitos do cidadão. Gastos públicos, dispêndios de natureza financeira com recursos públicos, oriundos do público, emanados do pagamento de tributos pelos contribuintes são despesas que hão de ser expostas à fiscalização social, ao Ministério Público. Não há que se temer esse ato de prestação de contas. Todas as autoridades públicas devem contas ao cidadão.

Uma CPI pode ter acesso a esses dados supostamente sigilosos sob o argumento da segurança nacional?

A CPI, já o decidiu o Supremo, dispõe de quase todos os poderes que a Constituição outorga ao Poder Judiciário. É certo que a CPI não dispõe da totalidade dos poderes que assistem ao Poder Judiciário, mas de quase todos. E dentre essas competências que a Constituição atribuiu à comissão parlamentar de inquérito está, sim, a de decretar a quebra de qualquer sigilo, mesmo que se cuide de um sigilo invocado pelo poder público fundado muitas vezes em razões contestáveis de segurança nacional.

Como o STF vai se portar diante dessa polêmica?

O STF está atento, especialmente agora, quando vivemos em ambiente democrático, para que não se conspurquem princípios essenciais de regência das atividades governamentais.

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