terça-feira, outubro 09, 2007

Que é isso, companheiro?
Plácido Fernandes, Correio Braziliense

No Brasil, funciona assim: se você reclama da corrupção que grassa no país, logo é tachado de udenista, golpista, moralista, o escambau a quatro. Afinal, dizem os espertos, ladroagem existe em todo o planeta. É verdade. Mas, com uma diferença: aqui, entre os larápios de colarinho branco, ela corre solta com indisfarçável desfaçatez. Como se houvesse a mais plena certeza da impunidade. Reportagens publicadas pelo Correio Braziliense, O Globo e Folha de S. Paulo, domingo e ontem, mostram que se desvia dinheiro dos cofres públicos a rodo. Imagine quantas vidas poderiam ser mudadas com R$ 6 bilhões? É esse o valor das irregularidades, de um total de R$ 7,5 bilhões que deveriam ir para saúde e educação, em apenas um dos escândalos citados.

Será que a roubalheira é inerente ao ser humano e sempre vai existir? Alguns cretinos, na maior cara-de-pau, dizem que sim. E vão além: consideram muito natural políticos levarem vantagem em tudo. Daí por que muita gente nem cora ao sair em defesa de Renan Calheiros. Daí por que essa mesma gente não se escandaliza quando o presidente Lula afirma não ver indício de maracutaia nas ações dos mensaleiros denunciados pelo procurador-geral da República e processados pelo Supremo. O que um dia foi piada de salão, como diria um escolado tesoureiro, transformou-se em tese de defesa: "Mas sou só eu? Cadê os outros?"

No mundo inteiro, a política não costuma ser atividade vista com bons olhos. Mas nações mais civilizadas, depois de muito sangue derramado, aprenderam a lição. Sabem que se é ruim com a democracia, é muito pior sem ela. Por isso empenham-se em punir a corrupção e em fortalecer as instituições basilares da República. Estão convencidas de que o melhor é o povo, por meio dos representantes eleitos, estabelecer limites aceitáveis para a convivência em sociedade. Sufocada pela corrupção, a Itália deflagrou a operação Mãos Limpas, botou bandido de direita e de esquerda na cadeia e derrubou a máxima de que "tutti é buona gente".

Por que o Brasil não copia o bom exemplo? Muito pelo contrário. Aqui, neste momento, ocorre o oposto: chefe máximo do poder Legislativo, Renan faz das tripas coração para manter o Senado nas trevas — único meio de escapar da cassação. Um país apático, que um dia teve esperança de lançar um pouco de luz sobre as entranhas da política, assiste perplexo à mudança de postura e de discurso dos outrora revolucionários. E eles nem pedem para que esqueçam o que escreveram antes de chegar ao poder. Pedem apenas que a paternidade da pilantragem, que continua a sangrar o erário, seja atribuída aos que antes combatiam dia e noite. Muitos dos inimigos, aliás, hoje são bons companheiros.

E talvez Renan nem seja o mais vistoso deles.
Google
online
Google