terça-feira, fevereiro 06, 2007

José Serra critica Banco Central por juro alto, dólar baixo, doença holandesa
1. A taxa de juros básica continua sendo a mais alta do mundo em termos reais. Isto, numa economia semi-estagnada, que tem um déficit fiscal moderado para os padrões internacionais e inflação baixa. É difícil explicar até a um prêmio Nobel de economia como o Brasil pode ter uma taxa de juros de 13 por cento com uma inflação de 4 por cento. Isto é erro de economia, de análise econômica.
2. Não vale o argumento de que essa taxa é fruto de incertezas jurídicas, marcos institucionais inadequados. Se assim fosse, quais sejam as taxas de juros reais da Rússia, da China ou da Argentina?
3. Tampouco vale dizer que a taxa de juros não é relevante para o crescimento da economia. Claro que é. Aliás, o Banco Central atua sob essa premissa. Está sempre identificando o belzebu da aceleração do crescimento quando evita baixar os juros de forma mais intensa. O argumento de que a taxa de juros já caiu bastante e a economia não apressou o passo do crescimento deixa de levar em conta que o declínio paralelo da inflação segurou a queda da taxa real.
4. Diga-se de passagem, a taxa de juros não é alta por causa da falta de poupança agregada no Brasil, como gostam de enfatizar alguns economistas. Estamos exportando capitais pela primeira vez na história. O que falta são oportunidades rentáveis para investimentos produtivos. Para isso contribuem, por certo, a carga tributária de péssima qualidade, o enfraquecimento das agências reguladoras, a insuficiência dos investimentos públicos (devida em parte ao aumento exagerado dos gastos correntes). Mas a taxa de juros sideral tem tido um peso decisivo na falta de crescimento.
5. Por quê? Dois exemplos, para não me alongar muito. A Selic real elevada estabelece um piso também elevado para o retorno exigido dos investimentos privados em infra-estrutura. Quem, nos três níveis de governo, procura atrair investimentos privados para essa área sabe disso. Isso para não mencionar o outro exemplo mais fácil: o peso dos juros no gasto público, que, ao lado da elevação dos gastos correntes não financeiros, mitiga a capacidade de investimento do setor público.
6. Outro exemplo importantíssimo: a taxa de juros elevada tem como contrapartida a supervalorização do câmbio, distorcendo os preços relativos da economia em relação ao exterior, barateando exageradamente as importações e encarecendo as exportações. (Aliás, o superávit comercial só continua alto entre nós por causa da alta dos preços externos). É preciso ter claro que o real se valorizou nos últimos anos numa intensidade maior do que qualquer outra moeda relevante, ainda que um grande número de países tenha abundância de dólares e de superávits comerciais. Por que o yuan chinês e o peso argentino não foram valorizados como o real? Na Argentina, o governo pode comprar todos os dólares necessários para impedir uma valorização muito forte do peso porque os juros são moderados, tornando o custo fiscal da compra pequeno. (Além disso, o crescimento da economia facilita a compra de dólares com expansão da base monetária, sem custo). No Brasil, isso é inviável. Face aos juros elevados, o custo fiscal seria insuportável. Ou seja, os juros elevados dificultam o freio à valorização do câmbio. Impedem que nós tratemos da chamada doença holandesa.
Transformam em maldição uma melhora nas relações de troca com o exterior. Uma ironia histórica sem precedentes. Quem diria que a alta de preços de alguns itens importantes de exportação produziria estagnação econômica e desemprego?
7. A grande maioria das chamadas reformas microeconômicas envolve boas propostas começando pela educação, passando pelo mercado de trabalho, chegando à qualidade do sistema tributário. Mas elas não são incompatíveis com mudanças na política macroeconômica. Pelo contrário, estas mudanças facilitariam sua adoção, ao ajudar a tirar o país deste jogo de soma zero que exacerba a necessidade do assistencialismo e enlouquece as investidas corporativistas de todo tipo.
8. Como me disse um importante e experiente empresário do sistema financeiro, a diretoria do Banco Central está comprometendo o futuro da autonomia do Banco, com essa sua atuação incompetente, pouco corajosa. Claro que o Banco Central não deve ter como objetivo essencial acelerar a economia (embora tanto o Banco da Inglaterra como o Federal Reserve tenham entre seus objetivos o máximo nível de emprego para suas economias). Mas não pode ser o oposto. Essa diretoria tem cometido erros de análise econômica incríveis, por ideologia ou falta de estudo, não sei.
9. A melhor prova de que essa política não funciona bem é o fato de que o risco Argentina hoje já é menor do que o risco Brasil, apesar de que eles sofreram hiperinflação recente, deram calote na dívida externa, tem controle de preços e inflação bem mais alta que a nossa. (e-agora)

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