"Privatiza" ou democratiza?
Valor Econômico:
Supremo 'privatiza' súmulas
Com novo sistema de tramitação, STF "privatiza" súmula vinculante
Autor(es): Fernando Teixeira
A nova fórmula de tramitação de súmulas vinculantes no Supremo Tribunal Federal (STF), inaugurada no início de dezembro, poderá abrir margem para a captura da agenda do tribunal por interesses corporativos. Dos onze projetos de súmula vinculante protocolados no tribunal com o uso do novo sistema, apenas três foram redigidos por ministros da casa. Os outros sete foram elaborados por entidades de classe, representando advogados, ruralistas, instituições financeiras, cartórios e servidores públicos. Todas as 13 súmulas aprovadas até então, pela fórmula antiga, foram selecionadas e formuladas pelos próprios ministros do Supremo.
Até a criação do sistema de tramitação de súmulas vinculantes, formalizado pela Resolução nº 388 do Supremo, não havia uma fórmula rígida para sua apresentação e aprovação. Os procedimentos eram adotados caso-a-caso, mas a seleção dos temas abordados partiu sempre dos próprios ministros, normalmente motivados pelo número de processos distribuídos em seus gabinetes ou em função do apelo social de uma causa. Isso gerou súmulas sobre nepotismo, uso de algemas, FGTS, direito tributário, servidores públicos e processos administrativos.
Agora, apenas três projetos de súmula vinculante vieram do próprio Supremo: dois de iniciativa do ministro Ricardo Lewandowski e um do pleno da corte. Há ainda uma proposta elaborada pela Defensoria Pública da União - e todas as demais foram elaboradas por sindicatos e associações. A Lei nº 11.417, de 2006, que regulamentou a súmula vinculante, prevê onze partes com legitimidade para propor projetos de súmula - entre elas o presidente da República, o Congresso Nacional e tribunais locais.
Uma das propostas mais curiosas de "projeto de súmula vinculante" - ou PSV, como foram batizadas as propostas em tramitação - foi ajuizada pela Associação Nacional em Defesa dos Concursos para Cartórios (Anedecc). O projeto tenta proteger os titulares de cartórios de uma alteração legislativa que ainda não foi nem editada. O alvo é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 471, de 2005, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados em abril deste ano, que tenta abrir uma brecha na regra que exige concurso público para preencher os cartórios. No projeto de súmula vinculante, a associação quer uma declaração do Supremo afirmado que a regra dos concursos não pode ser alterada nem por uma emenda à Constituição.
Já a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) quer evitar problemas entre as seguradoras e governos locais que aprovam leis regulando o setor, com a criação de coberturas obrigatórias para planos de saúde ou seguros de automóvel. Segundo o pedido da entidade, há 11 leis estaduais e 35 projetos de lei tentando regulamentar o funcionamento do setor. A Sociedade Rural Brasileira (SRB), temendo o resultado do julgamento do caso Raposa Serra do Sol, quer que o Supremo torne vinculante a Súmula nº 650, que restringe as regras para a criação de reservas indígenas.
Com a comoção criada pelas últimas operações promovidas pela Polícia Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quer uma súmula vinculante garantindo o acesso de advogados aos inquéritos policiais. Segundo a entidade, há 30 denúncias de investigações em que foi negado o acesso de advogados a dados de inquéritos. A Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), também em defesa dos advogados, quer que os honorários sejam cobrados das empresas falidas na mesma ordem de prioridade de cobrança dos salários devidos aos empregados. Com isso escapariam da regra geral destinada aos créditos dos prestadores de serviço.
Há também duas categorias de servidores públicos apostando em projetos de súmula vinculante: os auditores da Receita Federal e os procuradores do Banco Central. Os auditores querem resolver uma pendência salarial, enquanto os procuradores do BC estão preocupados com as condições de trabalho. Eles querem uma súmula para eliminar 16.279 processos defendidos pela classe sobre um único tema: a correção dos depósitos seqüestrados pelo Plano Collor I.
As novas propostas apresentadas pelas entidades passaram na frente de cinco temas já levados ao pleno por ministros da corte, mas com aprovação adiada para serem submetidos às novas regras de tramitação. O sistema implica a elaboração de um projeto e abertura de prazos para manifestação de partes interessadas, da Procuradoria-Geral da República e da comissão de jurisprudência da corte. Até então, a fórmula usada era mais informal: bastava ao Supremo julgar um tema já declarado de repercussão geral para aprovar quase imediatamente uma súmula vinculante. Os temas propostos pelos ministros que estão aguardando na fila tratam da ampliação da base de cálculo da Cofins, da competência trabalhista para execuções do INSS, da cobrança da taxa do lixo pelas prefeituras, da incidência de juros de mora depois da emissão de precatórios e do regime de aposentadoria após a Emenda Constitucional nº 20, de 1998.
Valor Econômico:
Supremo 'privatiza' súmulas
Com novo sistema de tramitação, STF "privatiza" súmula vinculante
Autor(es): Fernando Teixeira
A nova fórmula de tramitação de súmulas vinculantes no Supremo Tribunal Federal (STF), inaugurada no início de dezembro, poderá abrir margem para a captura da agenda do tribunal por interesses corporativos. Dos onze projetos de súmula vinculante protocolados no tribunal com o uso do novo sistema, apenas três foram redigidos por ministros da casa. Os outros sete foram elaborados por entidades de classe, representando advogados, ruralistas, instituições financeiras, cartórios e servidores públicos. Todas as 13 súmulas aprovadas até então, pela fórmula antiga, foram selecionadas e formuladas pelos próprios ministros do Supremo.
Até a criação do sistema de tramitação de súmulas vinculantes, formalizado pela Resolução nº 388 do Supremo, não havia uma fórmula rígida para sua apresentação e aprovação. Os procedimentos eram adotados caso-a-caso, mas a seleção dos temas abordados partiu sempre dos próprios ministros, normalmente motivados pelo número de processos distribuídos em seus gabinetes ou em função do apelo social de uma causa. Isso gerou súmulas sobre nepotismo, uso de algemas, FGTS, direito tributário, servidores públicos e processos administrativos.
Agora, apenas três projetos de súmula vinculante vieram do próprio Supremo: dois de iniciativa do ministro Ricardo Lewandowski e um do pleno da corte. Há ainda uma proposta elaborada pela Defensoria Pública da União - e todas as demais foram elaboradas por sindicatos e associações. A Lei nº 11.417, de 2006, que regulamentou a súmula vinculante, prevê onze partes com legitimidade para propor projetos de súmula - entre elas o presidente da República, o Congresso Nacional e tribunais locais.
Uma das propostas mais curiosas de "projeto de súmula vinculante" - ou PSV, como foram batizadas as propostas em tramitação - foi ajuizada pela Associação Nacional em Defesa dos Concursos para Cartórios (Anedecc). O projeto tenta proteger os titulares de cartórios de uma alteração legislativa que ainda não foi nem editada. O alvo é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 471, de 2005, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados em abril deste ano, que tenta abrir uma brecha na regra que exige concurso público para preencher os cartórios. No projeto de súmula vinculante, a associação quer uma declaração do Supremo afirmado que a regra dos concursos não pode ser alterada nem por uma emenda à Constituição.
Já a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) quer evitar problemas entre as seguradoras e governos locais que aprovam leis regulando o setor, com a criação de coberturas obrigatórias para planos de saúde ou seguros de automóvel. Segundo o pedido da entidade, há 11 leis estaduais e 35 projetos de lei tentando regulamentar o funcionamento do setor. A Sociedade Rural Brasileira (SRB), temendo o resultado do julgamento do caso Raposa Serra do Sol, quer que o Supremo torne vinculante a Súmula nº 650, que restringe as regras para a criação de reservas indígenas.
Com a comoção criada pelas últimas operações promovidas pela Polícia Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quer uma súmula vinculante garantindo o acesso de advogados aos inquéritos policiais. Segundo a entidade, há 30 denúncias de investigações em que foi negado o acesso de advogados a dados de inquéritos. A Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), também em defesa dos advogados, quer que os honorários sejam cobrados das empresas falidas na mesma ordem de prioridade de cobrança dos salários devidos aos empregados. Com isso escapariam da regra geral destinada aos créditos dos prestadores de serviço.
Há também duas categorias de servidores públicos apostando em projetos de súmula vinculante: os auditores da Receita Federal e os procuradores do Banco Central. Os auditores querem resolver uma pendência salarial, enquanto os procuradores do BC estão preocupados com as condições de trabalho. Eles querem uma súmula para eliminar 16.279 processos defendidos pela classe sobre um único tema: a correção dos depósitos seqüestrados pelo Plano Collor I.
As novas propostas apresentadas pelas entidades passaram na frente de cinco temas já levados ao pleno por ministros da corte, mas com aprovação adiada para serem submetidos às novas regras de tramitação. O sistema implica a elaboração de um projeto e abertura de prazos para manifestação de partes interessadas, da Procuradoria-Geral da República e da comissão de jurisprudência da corte. Até então, a fórmula usada era mais informal: bastava ao Supremo julgar um tema já declarado de repercussão geral para aprovar quase imediatamente uma súmula vinculante. Os temas propostos pelos ministros que estão aguardando na fila tratam da ampliação da base de cálculo da Cofins, da competência trabalhista para execuções do INSS, da cobrança da taxa do lixo pelas prefeituras, da incidência de juros de mora depois da emissão de precatórios e do regime de aposentadoria após a Emenda Constitucional nº 20, de 1998.
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