Loteamento às claras
Cláudio Weber Abramo (da Transparência Brasil), Correio Braziliense
Faz uns dias, o Jornal Nacional, da Rede Globo divulgou gravação, feita pelo vice-governador do Rio Grande do Sul, de uma conversa que manteve com o então chefe da Casa Civil do governo gaúcho a respeito da roubalheira que se dava, ou continua a dar-se, no Detran do estado. Dizia o agora ex-comandante administrativo (que é do PPS) da governadora Yeda Crusius (do PSDB) ao vice-governador (dos quadros do DEM), a respeito do Detran, que aquilo lá compõe o esquema de arrecadação do PMDB, que controla o órgão.
Dificilmente o eventual leitor terá se surpreendido com o teor da conversa. Todo governo, do federal ao do menor dos municípios, funciona assim. A saber, de forma a garantir maioria no Congresso, na Assembléia Legislativa ou na Câmara de Vereadores, o chefe do Executivo loteia os cargos da administração entre os partidos políticos, que então ganham carta branca para fazer o que quiserem nos lugares amealhados.
Com enorme freqüência, "fazer o que quiserem" não significa conduzir alguma espécie de programa particularmente caro ao respectivo programa partidário. "Fazer o que quiserem" significa aquilo que o ex-chefe da Casa Civil gaúcha confessou conhecer intimamente — arrecadar grana.
Assim funcionam os governos brasileiros. Em nome da "governabilidade", fecham os olhos para uma imensidão de desvios e de utilização desviante do poder público por parte dos aliados — isso quando o chefe do Executivo não é ele próprio o chefe da quadrilha.
Não é à toa que, ao negociarem apoios com governadores, prefeitos e presidentes, os partidos buscam as tais "diretorias que furam poço", no também revelador dizer daquele ex-presidente da Câmara dos Deputados que renunciou para não ser cassado face à acusação de ter levado bola de um fornecedor da Casa.
Como alterar esse estado de coisas? Como evitar que o exercício do governo tenha como condição deixar a área livre para a ação de meliantes partidários instalados na administração das repartições públicas?
A resposta é simples, embora corrigir o problema não o seja. Basta reduzir-se drasticamente a prerrogativa de os governantes nomearem pessoas para ocupar os cargos de confiança. De acordo com as últimas avaliações (o dado é secreto), só no governo federal nada menos de 27 mil pessoas são nomeadas livremente no conjunto das cotas partidárias. No estado de São Paulo, por exemplo, elas são 20 mil. Quantas serão em Minas Gerais, na Bahia, nas capitais dos estados?
Embora o número exato não seja conhecido, não perderá dinheiro quem apostar que o agregado nacional se eleve às centenas de milhares. Guardando-se a necessária cautela de excetuar alguns, trata-se de um exército de cupinchas partidários e não raro quadrilheiros. Seria arriscado avançar algum palpite sobre o que a sua ação deletéria significa em termos de desperdício de dinheiro público, mas também nesse caso uma aposta na casa das dezenas de bilhões não seria arriscada.
Caso a capacidade de nomear fosse reduzida ferozmente (digamos, a 10% dos números atuais), o prefeito, o presidente e o governador não disporiam do suborno oficial representado pelas nomeações e, portanto, não poderiam comprar o apoio dos partidos e grupos com a contrapartida de fechar os olhos para o que se passe nas capitanias assim negociadas.
Uma tal mudança institucional dependeria de emenda à Constituição, pois é nesse diploma que a garantia de nomeação está consignada. Como depende de uma tal emenda, consegui-lo será muito difícil, uma vez que quem vota emendas constitucionais são exatamente os beneficiários dos esquemas propiciados pela situação vivida no Brasil.
Político só muda de comportamento se ameaçado muito de perto no que mais lhe é caro, ou seja, a capacidade de reeleger-se. Se os políticos perceberem que sua probabilidade reeleitoral corre risco caso não alterem o mecanismo industrializado de assalto aos cofres públicos representado pelas nomeações, então se moverão.
Este ano ocorrem eleições municipais. Mais de 5.500 prefeitos serão eleitos no pleito, e mais cerca de 35 mil vereadores. É o momento ideal para se colocar em pauta mudanças na forma como o poder público é gerido. Embora prefeitos e vereadores não tenham papel direto na votação de mudanças constitucionais, por seu lado eles têm o poder de coibir a prática decorrente em sua própria esfera.
Nada impede que se promulguem leis municipais que limitem a capacidade de nomear. Há também medidas administrativas que podem ser tomadas para que as comunidades conheçam quem ocupa quais cargos na administração, e em nome do quê. A principal delas é a publicação permanente dos nomes, cargos e locais de trabalho dos sujeitos nomeados. Quem não se comprometer no mínimo a isso não merece ser votado.
Faz uns dias, o Jornal Nacional, da Rede Globo divulgou gravação, feita pelo vice-governador do Rio Grande do Sul, de uma conversa que manteve com o então chefe da Casa Civil do governo gaúcho a respeito da roubalheira que se dava, ou continua a dar-se, no Detran do estado. Dizia o agora ex-comandante administrativo (que é do PPS) da governadora Yeda Crusius (do PSDB) ao vice-governador (dos quadros do DEM), a respeito do Detran, que aquilo lá compõe o esquema de arrecadação do PMDB, que controla o órgão.
Dificilmente o eventual leitor terá se surpreendido com o teor da conversa. Todo governo, do federal ao do menor dos municípios, funciona assim. A saber, de forma a garantir maioria no Congresso, na Assembléia Legislativa ou na Câmara de Vereadores, o chefe do Executivo loteia os cargos da administração entre os partidos políticos, que então ganham carta branca para fazer o que quiserem nos lugares amealhados.
Com enorme freqüência, "fazer o que quiserem" não significa conduzir alguma espécie de programa particularmente caro ao respectivo programa partidário. "Fazer o que quiserem" significa aquilo que o ex-chefe da Casa Civil gaúcha confessou conhecer intimamente — arrecadar grana.
Assim funcionam os governos brasileiros. Em nome da "governabilidade", fecham os olhos para uma imensidão de desvios e de utilização desviante do poder público por parte dos aliados — isso quando o chefe do Executivo não é ele próprio o chefe da quadrilha.
Não é à toa que, ao negociarem apoios com governadores, prefeitos e presidentes, os partidos buscam as tais "diretorias que furam poço", no também revelador dizer daquele ex-presidente da Câmara dos Deputados que renunciou para não ser cassado face à acusação de ter levado bola de um fornecedor da Casa.
Como alterar esse estado de coisas? Como evitar que o exercício do governo tenha como condição deixar a área livre para a ação de meliantes partidários instalados na administração das repartições públicas?
A resposta é simples, embora corrigir o problema não o seja. Basta reduzir-se drasticamente a prerrogativa de os governantes nomearem pessoas para ocupar os cargos de confiança. De acordo com as últimas avaliações (o dado é secreto), só no governo federal nada menos de 27 mil pessoas são nomeadas livremente no conjunto das cotas partidárias. No estado de São Paulo, por exemplo, elas são 20 mil. Quantas serão em Minas Gerais, na Bahia, nas capitais dos estados?
Embora o número exato não seja conhecido, não perderá dinheiro quem apostar que o agregado nacional se eleve às centenas de milhares. Guardando-se a necessária cautela de excetuar alguns, trata-se de um exército de cupinchas partidários e não raro quadrilheiros. Seria arriscado avançar algum palpite sobre o que a sua ação deletéria significa em termos de desperdício de dinheiro público, mas também nesse caso uma aposta na casa das dezenas de bilhões não seria arriscada.
Caso a capacidade de nomear fosse reduzida ferozmente (digamos, a 10% dos números atuais), o prefeito, o presidente e o governador não disporiam do suborno oficial representado pelas nomeações e, portanto, não poderiam comprar o apoio dos partidos e grupos com a contrapartida de fechar os olhos para o que se passe nas capitanias assim negociadas.
Uma tal mudança institucional dependeria de emenda à Constituição, pois é nesse diploma que a garantia de nomeação está consignada. Como depende de uma tal emenda, consegui-lo será muito difícil, uma vez que quem vota emendas constitucionais são exatamente os beneficiários dos esquemas propiciados pela situação vivida no Brasil.
Político só muda de comportamento se ameaçado muito de perto no que mais lhe é caro, ou seja, a capacidade de reeleger-se. Se os políticos perceberem que sua probabilidade reeleitoral corre risco caso não alterem o mecanismo industrializado de assalto aos cofres públicos representado pelas nomeações, então se moverão.
Este ano ocorrem eleições municipais. Mais de 5.500 prefeitos serão eleitos no pleito, e mais cerca de 35 mil vereadores. É o momento ideal para se colocar em pauta mudanças na forma como o poder público é gerido. Embora prefeitos e vereadores não tenham papel direto na votação de mudanças constitucionais, por seu lado eles têm o poder de coibir a prática decorrente em sua própria esfera.
Nada impede que se promulguem leis municipais que limitem a capacidade de nomear. Há também medidas administrativas que podem ser tomadas para que as comunidades conheçam quem ocupa quais cargos na administração, e em nome do quê. A principal delas é a publicação permanente dos nomes, cargos e locais de trabalho dos sujeitos nomeados. Quem não se comprometer no mínimo a isso não merece ser votado.
***
Por cá, são 1.200 cargos de confiança à disposição do prefeito. Certos partidos são verdadeiras agências de emprego. Seu objetivo é eleger vereadores, para dar "sustentação" ao prefeito de plantão para o que der e vier, em troca, é claro, de emprego na prefeitura para os cabos eleitorais.
Programa de governo? Deixe pra lá...
Marcadores: Autor Claudio Abramo, Transparência
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