domingo, setembro 24, 2006

MORAL E REALIDADE
Blog do Cláudio Abramo, da Transparência Brasil
"Pesquisa realizada pelo DataFolha a respeito do conhecimento dos eleitores a respeito de escândalos tem levado observadores a concluir que o brasileiro teria mergulhado de cabeça no "rouba mas faz".
O raciocínio vai mais ou menos assim:
*Boa parte do eleitorado acredita que o presidente da República sabia do que se fazia sob suas barbas. Muitos crêem que ele teve responsabilidade.
*A maioria dos eleitores pretende votar no presidente nas eleições do próximo domingo.
*Ergo, os brasileiros perderam a vergonha na cara.
Modestamente, gostaria de ponderar que esse gênero de conclusão parte do equívoco de considerar que questões de natureza moral deveriam ter predominância sobre quaisquer outras em decisões que digam respeito à vida das pessoas.
Ou seja, a partir da estipulação de que os eleitores "deveriam" raciocinar assim ou assado, e a partir da constatação de que eles não raciocinam assim, conclui-se que a maioria dos eleitores brasileiros não condena a corrupção.
Não ocorre a esses observadores especular que o que talvez esteja errado seja o pressuposto do qual partem, a saber, que as pessoas "deveriam" agir assim ou assado seguindo um julgamento moral. É óbvio que, caso esse pressuposto seja eliminado, então o raciocínio condenatório em relação ao eleitorado cai por terra.
De fato, os indícios existentes não são no sentido de que o brasileiro aceita a corrupção. Qualquer levantamento que se faça a respeito mostra que, em grande maioria, o brasileiro condena a corrupção.
Como, então, se explica que o sujeito aceite votar em alguém a quem se atribui malfeitorias ou, ao menos, omissão em coibi-las?
Ora, explica-se muito facilmente caso se aceite que julgamentos morais têm efeito sobre o comportamento médio das pessoas até certo ponto. Além desse ponto, outras considerações passam a ser mais importantes.
No caso em questão, o Bolsa Família, o Bolsa Escola etc. são mais importantes. É renda, embora fugaz, representam uma melhoria concreta, apesar de não transformarem nada. É a materialidade da vida, o concreto, o empírico. Isso sempre tem predominância completa.

Os observadores que se comiseram com isso poderiam talvez revisar suas atitudes metodológicas, e submeter a escrutínio mais atento sua crença na predominância dos argumentos morais.
O moralismo é um dos elementos que tornam mais difícil o combate à corrupção, pois mira na direção errada.
A corrupção não deve ser combatida por constituir um problema moral -- por mais que, individualmente, cada qual possa indignar-se com ela, o que é normal e esperado de uma pessoa de bem --, mas por seus efeitos concretos.

Expresso de outra forma, se a corrupção aumentasse a eficiência alocativa ao Estado, em vez de reduzi-la, qual seria a motivação concreta de combatê-la?

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