terça-feira, setembro 25, 2012

TIRIRICAS E PALHAÇADAS

"Eis a suprema ironia: a mídia assume-se como o "quarto poder", destinado a vigiar e a denunciar os abusos de todos os outros. Mas a própria mídia serve de instrumento, voluntário ou involuntário, para dar luz e palco a personagens que jamais seriam eleitas por suas exclusivas habilitações.

O resultado dessa perversidade é que cresce cada vez mais o abismo entre políticos que merecem ganhar eleições (independentemente da imagem) e políticos que podem ganhar eleições (independentemente da competência). A democracia midiática premia os segundos e ignora os primeiros.

Hoje, o obeso Churchill e o paralítico Roosevelt seriam ofuscados por um palhaço qualquer. Azar o deles?

Não. Azar o nosso, leitor. Quem elege palhaços, acaba vivendo num circo." ÍNTEGRA/JOÃO PEREIRA COUTINHO, NA FOLHA

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Democracias
O Estado de S. Paulo - 24/09/2012
DENIS LERRER ROSENFIELD, PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS
Denis Lerrer Rosenfield 
O julgamento do mensalão e as reações partidárias estão expondo diferentes acepções da democracia. Uns e outros defendem ou reclamam de determinados procedimentos jurídicos e até de coberturas midiáticas e jornalísticas em nome da democracia. Não fica muito claro, contudo, de qual democracia se está falando.

De um lado, o Supremo Tribunal Federal (STF) está dando uma rara demonstração de instituição que não se curva nem ao Poder Executivo, nem ao Legislativo, nem, sobretudo, a injunções partidárias. De outro, existem dirigentes partidários que não apenas haviam apostado tudo na impunidade, mas, principalmente, atribuíam às urnas uma espécie de poder divino, o de absolvê-los.

Duas concepções da democracia estão envolvidas. Uma, encarnada pelo STF, é a reafirmação do Estado Democrático de Direito, que se situa acima de qualquer contenda partidária. É a democracia representativa. A outra é a que se faz presente em declarações do presidente do PT, Rui Falcão, do deputado João Paulo Cunha e do ex-presidente Lula. É comum a todos eles o desprezo pelas instituições, a invenção de "golpes" e o recurso a uma suposta absolvição do povo mediante eleições. É a democracia totalitária.

Vejamos alguns traços da democracia representativa: 1) O Estado de Direito é central, baseado na impessoalidade, na imparcialidade e na universalidade das leis; 2) as instituições sobrepõem-se a quaisquer processos eleitorais, pois eleições pressupõem instituições que as tornem possíveis; 3) as condições de uma sociedade livre não podem, por constituírem princípios, ser submetidas a eleições, algo que foge ao escopo destas; 4) os meios de comunicação e a imprensa em geral são livres; 5) processos eleitorais são realizados regularmente, fazendo parte do funcionamento do Estado. Eleições, no entanto, são apenas uma das características de um Estado livre, não esgotando sua significação. Eleições sem liberdade de imprensa e sem um Judiciário independente não podem ser consideradas, stricto sensu, democráticas.

Agora, alguns traços da democracia totalitária: 1) Considera a dita soberania do povo ilimitada, podendo, inclusive, alterar ou mesmo banir as condições de funcionamento de um Estado e de uma sociedade livres; 2) normalmente, tal discurso é instrumentalizado por um grupo político que se utiliza desse tipo de demagogia para se instalar no poder; 3) essa liderança que se autointitula "popular" considera os meios de comunicação e a imprensa em geral como "inimigos"; 4) a concepção de "democratização dos meios de comunicação" é uma forma de domínio da dita "elite popular", que procura o controle total da sociedade; 5) o Judiciário é considerado um Poder subalterno que deve ser domesticado e controlado, de modo a se tornar um instrumento dos totalitários, que poderão, então, dizer que agem de acordo com a "lei"; 6) uma característica de seu discurso é a criação de inimigos fictícios, que estariam sempre a persegui-los; sua forma ideológica reside na formulação de um "golpe de Estado" que estaria sendo urdido; 7) na verdade, ao construírem essa ficção, procuram criar condições para eles mesmos abaterem os seus adversários políticos.

Exemplos claros de democracia totalitária encontramos nos países bolivarianos vizinhos, cujo estágio mais avançado é o da Venezuela, seguida pela Bolívia e pelo Equador. Os traços totalitários acima destacados encontram-se todos presentes, só o que varia, segundo as circunstâncias, é a intensidade. Comum a todos eles é o projeto de "subverter a democracia por meios democráticos", em particular por meio de eleições.

Alguns desses traços totalitários se encontram em declarações de certos dirigentes petistas. O mais relevante deles é o de que "o povo julga" por intermédio das eleições. O povo, manifestando-se em eleições, teria um poder ilimitado, que não poderia, então, ser limitado por instituições, dentre as quais o Supremo. Meliantes políticos teriam, dessa maneira, uma espécie de salvo-conduto para a criminalidade, comportando-se como se punições não os pudessem alcançar.

Outros traços totalitários se fazem presentes: 1) A mentira, o negar os fatos, é um deles, particularmente presente no discurso de que o "mensalão não existiu"; 2) a declaração do presidente do PT de que o julgamento do mensalão seria uma espécie de golpe urdido pela mídia conservadora e por um Supremo igualmente conservador; 3) o menosprezo ao Judiciário como um Poder a serviço de conservadores bem mostra o quanto a independência da Justiça e o Estado de Direito são alvos que deveriam ser enfraquecidos; 4) a "crítica" à "mídia conservadora" inscreve-se numa linhagem de setores do petismo que procura controlar os meios de comunicação via artifícios ideológicos como o da dita "democratização dos meios de comunicação".

Torna-se aqui necessário fazer a distinção entre os radicais do petismo e outros setores do partido, que não podem ser apresentados como se fossem um bloco monolítico, ideologicamente coeso. O governo petista atual tem se recusado a qualquer cerceamento da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral. Outro exemplo: os ministros indicados pela presidente Dilma Rousseff no julgamento do mensalão têm-se, até agora, recusado a qualquer inflexão ideológica, obedecendo a critérios técnicos e jurídicos. O atual governo, ademais, por seu silêncio, procura manter-se distante de qualquer contaminação política. Ou seja, o governo petista está seguindo as condições de uma democracia representativa, ao arrepio de setores de seu próprio partido.

O julgamento do mensalão põe-nos numa encruzilhada diante de distintas significações da democracia. O caminho que está sendo trilhado indica, contudo, um fortalecimento do Estado Democrático de Direito.


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segunda-feira, setembro 24, 2012

PREFEITO DE ITAPEVA


Este blogue apóia a candidatura de Paulo de la Rua (PSDB). 

Paulo é um estudioso de políticas públicas, de direito público, de administração pública.

Preparou-se e está bem preparado para administrar a Prefeitura de Itapeva. 



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REVISTA VEJA - ENTREVISTA


Ferreira Gullar - Uma visão crítica das coisas 

"O poeta diz que o socialismo não faz mais sentido, recusa o rótulo de direitista e ataca: Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é" 
Um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, Ferreira Gullar, 82 anos, foi militante do Partido Comunista Brasileiro e, exilado pela ditadura militar, viveu na União Soviética, no Chile e na Argentina. Desiludiu-se do socialismo em todas as suas formas e hoje acha o capitalismo "invencível". E autor de versos clássicos "À vida falta uma parte / seria o lado de fora / para que se visse passar / ao mesmo tempo que passa /. e no final fosse apenas / um tempo de que se acorda / não um sono sem resposta. / À vida falta uma porta". Gullar teve dois filhos afligidos pela esquizofrenia. Um deles morreu. O poeta narra o drama familiar e faz a defesa da internação em hospitais psiquiátricos dos doentes em fase aguda. Sobre seu ofício, diz: "Tem de haver espanto, não se faz poesia a frio".

0 senhor já disse que "se bacharelou em subversão" em Moscou e escreveu um poema em que a moça era "quase tão bonita quanto a revolução cubana". Como se deu sua desilusão com a utopia comunista? 
Não houve nenhum fato determinado. Nenhuma decepção específica. Foi uma questão de reflexão, de experiência de vida, de as coisas irem acontecendo, não só comigo, mas no contexto internacional. É fato que as coisas mudaram. O socialismo fracassou. Quando o Muro de Berlim caiu, minha visão já era bastante crítica. A derrocada do socialismo não se deu ao cabo de alguma grande guerra. O fracasso do sistema foi interno. Voltei a Moscou há alguns anos. O túmulo do Lenin está ali na Praça Vermelha, mas pelo resto da cidade só se veem anúncios da Coca-Cola. Não tenho dúvida nenhuma de que o socialismo acabou, só alguns malucos insistem no contrário. Se o socialismo entrou em colapso quando ainda tinha a União Soviética como segunda força econômica e militar do mundo, não vai ser agora que esse sistema vai vencer.

Por que o capitalismo venceu? 

O capitalismo do século XIX era realmente uma coisa abominável, com um nível de exploração inaceitável. As pessoas com espírito de solidariedade e com sentimento de justiça se revoltaram contra aquilo. O Manifesto Comunista, de Marx, em 1848, e o movimento que se seguiu tiveram um papel importante para mudar a sociedade. A luta dos trabalhadores, o movimento sindical, a tomada de consciência dos direitos, tudo isso fez melhorar a relação capital-trabalho. O que está errado é achar, como Marx diz, que quem produza riqueza é o trabalhador e o capitalista só o explora. É bobagem. Sem a empresa, não existe riqueza. Um depende do outro. O empresário é um intelectual que, em vez de escrever poesias, monta empresas. É um criador, um indivíduo que faz coisas novas. A visão de que só um lado produz riqueza e o outro só explora é radical, sectária, primária. A partir dessa miopia, tudo o mais deu errado para o campo socialista. Mas é um equívoco concluir que a derrocada do socialismo seja a prova de que o capitalismo é inteiramente bom. O capitalismo é a expressão do egoísmo, da voracidade humana, da ganância. O ser humano é isso, com raras exceções.

O capitalismo é forte porque é instintivo. O socialismo foi um sonho maravilhoso, uma realidade inventada que tinha como objetivo criar uma sociedade melhor. O capitalismo não é uma teoria. Ele nasceu da necessidade real da sociedade e dos instintos do ser humano. Por isso ele é invencível. A força que toma o capitalismo invencível vem dessa origem natural indiscutível. Agora mesmo, enquanto falamos, há milhões de pessoas inventando maneiras novas de ganhar dinheiro. É óbvio que um governo central com seis burocratas dirigindo um país não vai ter a capacidade de ditar rumos a esses milhões de pessoas. Não tem cabimento.

0 senhor se considera um direitista? 

Eu, de direita? Era só o que faltava.A questão é muito clara. Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é. Pensar isso a meu respeito não é honesto. Porque o que estou dizendo é que o socialismo acabou, estabeleceu ditaduras, não criou democracia em lugar algum e matou gente em quantidade. Isso tudo é verdade. Não estou inventando.

E Cuba? 

Não posso defender um regime sob o qual eu não gostaria de viver. Não posso admirar um país do qual eu não possa sair na hora que quiser. Não dá para defender um regime em que não se possa publicar um livro sem pedir permissão ao governo. Apesar disso, há uma porção de intelectuais brasileiros que defendem Cuba, mas, obviamente, não querem viver lá de jeito nenhum. É difícil para as pessoas reconhecer que estavam erradas, que passaram a vida toda pregando uma coisa que nunca deu certo.

Como o senhor define sua visão política? 

Não acho que o capitalismo seja justo.
O capitalismo é uma fatalidade, não tem saída. Ele produz desigualdade e exploração. A natureza é injusta. A justiça é uma invenção humana. Um nasce inteligente e o outro burro. Um nasce inteligente, o outro aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos nós. A capacidade criativa do capitalismo é fundamental para a sociedade se desenvolver, para a solução da desigualdade, porque é só a produção da riqueza que resolve isso. A função do estado é impedir que o capitalismo leve a exploração ao nível que ele quer levar.

Qual a sua visão do governo Dilma Roussef? 

Dilma é uma mulher honesta, não rouba, não tem a característica da demagogia. Mas ela foi posta no poder pelo Lula. Assim, não tem autoridade moral para dizer não a ele. Nesse aspecto, é prisioneira dele.

Como o senhor avalia a perspectiva de condenação dos réus do mensalão? 

O julgamento não vai alterar o curso da história brasileira de uma hora para a outra. Mas o que o Supremo está fazendo é muito importante. É uma coisa altamente positiva para a sociedade. Punir corruptos, pessoas que se aproveitaram de posições dentro do governo, é uma chama de esperança.

O senhor se identifica com algum partido político atual? 

Eu fui do Partido Comunista, mas era moderado. Nunca defendi a luta armada. A luta armada só ajudou mesmo a justificar a ação da linha dura militar, que queria aniquilar seus oponentes. Quando fui preso, em 1968, fui classificado como prisioneiro de guerra. O argumento dos militares era, e é, irrespondível: quem pega em armas quer matar, então deve estar preparado para morrer.

O senhor condena quem pegou em armas para lutar contra o regime militar? 

Quem aderiu à luta armada foram pessoas generosas, íntegras, tanto que algumas sacrificaram sua vida. Mas por um equívoco. Você tem de ter uma visão critica das coisas, não pode ficar eternamente se deixando levar por revolta, por ressentimentos. A melhor coisa para o inimigo é o outro perder a cabeça. Lutar contra quem está lúcido é mais difícil do que lutar contra um desvairado.

Como se justifica sua defesa da internação o tratamento da esquizofrenia?As pessoas usam a palavra manicômio para desmoralizar os hospitais psiquiátricos. Internei meu filho em hospitais que têm piscina, salão de jogos, biblioteca. Mesmo os públicos não têm mais a camisa de força ou sala com grades. Tive dois filhos esquizofrênicos. Um morreu, o outro está vivo, mas não tem mais o problema no mesmo grau. Controlou com remédio, e a idade também ajuda. A esquizofrenia surge na adolescência e se junta à impetuosidade. Com o tempo, a pessoa vai amadurecendo. Doença é doença, não é a gente. Se estou gripado, a gripe não sou eu. A esquizofrenia é uma doença, mas eu não sou a esquizofrenia. Posso evoluir, me tornar uma pessoa mais madura, debaixo de toda aquela confusão. O esquizofrênico com 50 anos não é o mesmo de quando tinha 17.

Qual o pior momento na sua convivência com filhos esquizofrênicos? 

Quando a pessoa entra em surto, ela pode se jogar pela janela. Meu filho, o Paulo, se jogou. Hoje ele anda mancando porque sofreu uma lesão na coluna. Ele conversava comigo, via televisão, brincava, lia meus poemas. Em surto, não tinha controle. Queria estrangular a empregada. Nessas horas, a única maneira é internar e medicar. Nesse estado, sem nenhum socorro, o esquizofrênico pode fazer qualquer coisa.

A família pobre faz o quê, se não tem mais onde internar? 

Se mantiver a pessoa em casa, ela poderá tocar fogo em tudo, pegar uma faca e tentar assassinar o pai. Poderá fugir para a rua, desvairada. Essa política contra os hospitais psiquiátricos tem como resultado prático uma tragédia em que os ricos internam seus filhos em clínicas particulares e os pobres morrem na rua. Quando ouço alguém dizer que as famílias internam os filhos porque querem se ver livres deles, só posso pensar que essa pessoa gosta dos meus filhos mais do que eu. Nunca viu meu filho, mas ama meu filho mais do que eu. Absurdo. Você não sabe o que é uma família ter um filho esquizofrênico. Além do problema do tratamento, existe o desespero de não saber o que fazer. Os hospitais psiquiátricos continuam a existir porque os médicos sabem que não há outra saída. Não se interna um doente para que ele fique vinte anos lá dentro, mas sim três dias, três meses. Meus filhos nunca ficaram internados além do tempo necessário. Eles voltavam para casa normais. Era uma alegria. Nenhuma família quer ter seu filho preso.

Como foi a primeira vez que se defrontou com a doença? 

O primeiro surto do Paulo foi no exílio, em Buenos Aires. Um dia, no apartamento, a gente estava brincando, a bola desceu pela escada, ele saiu para pegá-la e não voltou. Desci, ele tinha sumido. Em que direção eu ando? Voltei para casa e fiquei chorando, não sabia o que fazer. Paulo ficou meses sumido. Isso foi em 1974, logo que cheguei a Buenos Aires. Terminei encontrando-o preso. No desvario, ele tentou roubar um carro não sabia nem dirigir e foi preso. Fez greve de fome. Estava esquelético.

O policial disse que era preciso uma ordem para soltá-lo, porque era menor. Mas deixou que eu levasse meu filho, porque sabia que ele estava doente. Levei o Paulo para casa. Ele entrou e começou a arrebentar a janela. Morávamos no 5o andar. Ele foi internado. Até o dia em que, esperto como é, sumiu do hospital, para sempre. Foi encontrado em São Paulo. Saiu de Buenos Aires sem um tostão, com a roupa do corpo. Esses episódios não têm fim.

Como é seu método para fazer poesia?Já fiquei doze anos sem publicar um livro. Meu último saiu há onze anos. Poesia não nasce pela vontade da gente, ela nasce do espanto, alguma coisa da vida que eu vejo e que não sabia. Só escrevo assim. Estou na praia, lembro do meu filho que morreu. Ele via aquele mar, aquela paisagem. Hoje estou vendo por ele. Aí começo um poema... Os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos. Não dá para escrever um poema sobre qualquer coisa.

O mundo aparentemente está explicado, mas não está. Viver em um mundo sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma explicação explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não explicado se revela, e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não se sabe pode ser poesia.

A idade é uma aliada ou uma inimiga do poeta? 

Com o avanço da idade, diminuem a vontade e a inspiração. A gente passa a se espantar menos. Tem poeta que não se espanta mais, mas insiste em continuar escrevendo, não quer se dar por vencido. Então ele começa a escrever bobagens ou coisas sem a mesma qualidade das que produzia antes. Saber fazer ele sabe, mas é só técnica, falta alguma coisa. Não se faz poesia a frio. Isso não vai acontecer comigo. Sem o espanto, eu não faço. Escrever só para fazer de conta, não faço. Eu vou morrer. O poeta que tem dentro de mim também. Tudo acaba um dia. Quando o poeta dentro de mim morrer, não escrevo mais. Não vou forçar a barra. Isso não vai acontecer. Toda vez que público um livro, a sensação que tenho é de que aquele é o definitivo. Escrever um poema para mim é uma grande felicidade. Se não acontecer, não aconteceu.
Autor: Veja


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quinta-feira, setembro 20, 2012

PERAÍ, LEGISLATIVO NÃO EXISTE EXATAMENTE PARA APROVAR LEIS? LEIA ESTA:

Governo quer mudar lei florestal sem Congresso
Folha de S. Paulo - 20/09/2012
Planalto busca caminhos para alterar o código livre da influência de ruralistas
ERICH DECAT
NATUZA NERY
DE BRASÍLIA
Setores do governo estudam complementar o Código Florestal com normas que não precisem passar pelo Congresso, no qual a bancada ruralista derrotou várias vezes a gestão da presidente Dilma Rousseff.

A Folha apurou que a presidente já decidiu vetar as alterações feitas pelos ruralistas na medida provisória aprovada anteontem pela Câmara e cujo texto deve ser corroborado pelo Senado na semana que vem.

Os complementos estudados devem ser necessários para preencher lacunas deixadas com os vetos.

A própria MP era uma tentativa de complemento do governo à lei ambiental, após os vetos feitos de Dilma ao Código aprovado em abril.

Mas seu projeto original voltou a ser alterado de novo em favor da bancada ruralista. A maior mudança foi diminuir a área que fazendeiros terão de replantar das matas desmatadas ilegalmente em beiras de rio.

A proposta original previa que, em propriedades médias, o reflorestamento seria de 20 metros na beira de rios com até 10 metros de largura. No texto aprovado, essa mesma metragem de recomposição passou a ser aceita até para grandes propriedades.

A ideia do governo é evitar novas derrotas, e por isso a complementação pode ocorrer por meio de decretos, portarias e instruções normativas, que não passam pelo crivo dos congressistas.

Um grupo de trabalho deverá discutir o assunto.

As soluções encontradas deverão ser anunciadas 15 dias depois de a MP chegar ao Planalto, quando devem ser apresentados os vetos.














HISTÓRIA DO MUNDO EM 2 SEGUNDOS 

http://youtu.be/iW_WgROg--0

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Our Story In 2 Minutes

Solução agroambiental
O Estado de S. Paulo - 18/09/2012
Xico Graziano - estadão
Quando o deputado federal Ronaldo Caiado, por fim, abrandou o discurso e aceitou, naquela quarta-feira 29 de agosto, votar favoravelmente ao relatório da Comissão Especial, levantou-se a senadora Kátia Abreu, presidente da poderosa Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e lhe beijou a face. O carinhoso gesto, aplaudido de pé, simbolizava o recuo dos ruralistas radicais, permitindo o acordo de votação sobre o Código Florestal. Rara unanimidade.

No dia seguinte a Folha de S.Paulo estampava: Governo faz concessões a ruralistas. O Estado de S. Paulo também destacava: Novo Código Florestal beneficia ruralistas. Curiosamente, as manchetes invertiam a realidade dos fatos. Interessante. Nessa discussão da lei ambiental, as notícias sempre tenderam a desfavorecer o campo. Por que será?

O assunto básico da Medida Provisória 571 recai sobre as chamadas áreas de preservação permanente (APPs), especialmente aquelas situadas nas margens dos rios. Qual a divergência básica entre ruralistas e ambientalistas? Estes propõem regredir a produção nesses locais, obrigando os agricultores a recuperá-los com vegetação nativa, numa distância mínima de 30 metros ao longo dos cursos d"água. Os ruralistas, ao contrário, querem manter os terrenos já ocupados historicamente, consolidando neles a agropecuária.

No acordo de votação, definiu-se a querela: na situação mais comum, de propriedades médias, em rios estreitos a faixa obrigatória de recuperação ambiental será de 15 metros. Nem zero, nem 30 metros, exatamente a metade. Para aceitar o trato os ambientalistas exigiram que os rios intermitentes também participassem da regra ecológica. Os ruralistas, contrariados, tiveram de ceder.

Vários outros detalhes da legislação florestal, agora definida, comprovam ter funcionado o mote anterior. Buscou-se uma composição capaz de assegurar equilíbrio entre as posições da produção agropecuária e da preservação ambiental. Nem lá, nem cá. A concertação política realizada expressa uma decisão típica, em matérias complexas, dos regimes democráticos maduros. Nem vencidos, nem vencedores. Bom para a sociedade.

No Brasil, porém, as coisas se passam de forma um pouco diferente. Certo preconceito da sociedade urbana, exacerbado recentemente pelo discurso agressivo dos ecologistas, leva os formadores de opinião a tomar posição, invariavelmente, contra os produtores rurais. Estes são os "do mal"; os ambientalistas, "do bem". Triste concepção.

No polarizado debate sobre o Código Florestal, os ruralistas jamais defenderam a possibilidade, muito menos a facilidade, de realizar novos desmatamentos nas matas ciliares. O bicho pegou no suposto "passivo ambiental" da agricultura. Esse conceito, moderno, se refere àquelas áreas que deveriam ter sido mantidas com vegetação nativa, mas acabaram sendo incorporadas à agricultura. Parte desses locais - situados nas encostas montanhosas, nas beiradas de rios e lagoas, no topo dos morros - serve hoje à produção rural, lavouras e pastagens. Ademais, eles recebem residências e instalações, geram trabalho e riqueza.

Os ruralistas queriam a regularização dessa ocupação histórica, livrando-se da conta de um passivo que, a bem da verdade, se existir, pertence a toda a sociedade. Afinal, foi exatamente a expansão agrícola do passado que permitiu o desenvolvimento apreciado no presente. Vale o mesmo para a "reserva legal" das propriedades rurais.

Segundo o Código Florestal, além das áreas de preservação permanente, um porcentual da fazenda, variável conforme a região e o bioma, deveria ser excluído da exploração agropecuária. Por aqui, no Sul e no Sudeste do País, esse pedaço de preservação é de 20%. Por várias razões, porém, a lei nunca foi devidamente cumprida. Pois bem, agora o acordo obriga os produtores rurais a compensarem a supressão florestal realizada anteriormente.

Não será tarefa fácil. Fórmulas alternativas procuram torná-la viável. O agricultor, por exemplo, pode recompor suas próprias matas; pode, ainda, adquirir florestas noutros locais, mantendo-as intactas, compensando as que não tem na sua fazenda. Todos precisam regularizar, ambientalmente, sua propriedade. Mas, perceba, nenhum ruralista defendeu a extinção das reservas legais, nem quis facilitar a derrubada de florestas virgens. Nada disso. O problema fundamental residia em como regularizar o passado.

Na leitura da sociedade, entretanto, ficou a pecha de que os agricultores são "criminosos ambientais". Imperou o raciocínio simplista, estimulado por certo ambientalismo fundamentalista, de tipo messiânico, que agrada aos jornalistas especializados em vender notícias fortes, sensacionalistas. Os verdadeiros dilemas, que denomino agroambientais, cuja resolução significa um difícil acerto de contas entre o passado e o presente, sucumbiram no jogo da comunicação.

O pior, porém, estava por vir. Lendo os jornais daquele dia, a presidente Dilma Rousseff, assustada com o famigerado acordo com os ruralistas, repreendeu de pronto a sua equipe. Resultado: na semana seguinte, prestes a ser votado no plenário da Câmara dos Deputados, o acerto miou. O senador Jorge Viana, petista de carteirinha, engenheiro florestal, o principal fiador da articulação congressual nessa matéria do Legislativo federal, engoliu as suas palavras. Estaca zero.

O governo federal preferiu desmoralizar a boa política, que no fundo patrocinara, a vender à opinião pública uma imagem associada ao ruralismo. Daí surgiu a cena do bilhetinho de Dilma, rechaçando a solução de compromisso pelas regras da democracia. Sua atitude maltrata o campo, despreza o passado. Infeliz país que trata com desdém seus agricultores.

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domingo, setembro 16, 2012

Ética republicana

Domingo, 16 de Setembro de 2012, 03h05
Celso Lafer, estadão
O que quer dizer uma conduta republicana? Por que essa referência, relacionada à afirmação de espírito público, é importante para o debate nacional?

O termo República tem, entre seus significados, o sentido amplo de comunidade política organizada. O título do livro de Hannah Arendt de 1972, Crises da República, aponta para esse sentido amplo de comunidade política, mas ao mesmo tempo indica que a crise dos EUA, naquela ocasião, tinha sua raiz na falta de ética republicana proveniente do uso da mentira e da glorificação da violência.

Na perspectiva mais específica de formas de governo, República contrapõe-se à Monarquia. Assinala a diferença entre o poder exercido em função de direitos hereditários e o poder eleito, direta ou indiretamente, pelo povo. Nesse sentido, República tem afinidades com democracia e aponta para a igualdade.

A contraposição Monarquia/República remonta aos romanos, que depois da exclusão dos reis substituíram o governo de um só pelo governo de um corpo coletivo. Na elaboração do conceito de República teve grande peso a reflexão de Cícero, que diferenciava a res publica - a coisa pública - da privada, doméstica, familiar, estabelecendo, assim, a distinção entre o privado, o particular a alguns, e o público, o comum a todos, que por isso deve ser do conhecimento de todos. Daí a origem do princípio da publicidade da administração pública, previsto na Constituição em seu artigo 37.

Para Cícero, o público diz respeito ao bem do povo, que não é uma multidão dispersa de seres humanos, mas sim, numa República, um grupo numeroso de pessoas associadas pela adesão a um mesmo direito e voltadas para o bem comum. A dedicação ao bem comum está na raiz do princípio da moralidade da administração pública, igualmente previsto no mesmo artigo da Constituição.

Faço essas remissões para apontar que a importância do espírito público é inerente a uma postura republicana, o que quer dizer, em primeiro lugar, que não cabe misturar o público e o privado e que é inaceitável, numa República, o patrimonialismo do uso privado da coisa pública. Esse é um dos pontos de partida do republicanismo.

Este, na teoria política contemporânea, não tem maior interesse no contraponto Monarquia/República, que perdeu atualidade na agenda política do século 21. Está voltado para as consequências da falta de ética na política e na sociedade, da qual um sintoma é a generalizada perda do senso de vergonha, que é sempre a expressão de um sentimento moral. Um exemplo é a desfaçatez da conduta dos gestores dos bancos que levaram à crise financeira mundial.

Para Montesquieu, o princípio que explica a dinâmica de uma República, ou seja, o sentimento que a faz durar e prosperar, é a virtude. É nesse contexto que se pode dizer que a motivação ética é de natureza republicana. Isso passa, como diz Viroli, pela virtude civil do desejo de viver com dignidade e pressupõe que ninguém poderá viver com dignidade numa comunidade política corrompida.

Numa República, como diz Bobbio num diálogo com Viroli, o primeiro dever do governante é o senso de Estado, vale dizer, o dever de buscar o bem comum, e não o individual, ou de grupos; e o primeiro dever do cidadão é respeitar os outros e se dar conta, sem egoísmo, de que não se vive em isolamento, mas sim em meio aos outros.

É por essa razão que a República se vê comprometida quando prevalece, no âmbito dos governantes, em detrimento do senso de Estado, o espírito de facção voltado não para a utilidade comum, mas para assegurar vantagens e privilégios para grupos, partidos e lideranças. O intenso e aprofundado "aparelhamento do Estado" que vem caracterizando o PT no poder é expressão de conduta não republicana.

O conceito de República aponta para o consensus juris do governo das leis, e não dos homens, ou seja, para o valor do Estado de Direito. Assim, não é por acaso que o papel de uma Constituição e do constitucionalismo foi afirmado nos EUA, que, como a França, assinala a emergência das Repúblicas modernas. O governo das leis obstaculiza o efeito corruptor do abuso do poder das preferências pessoais dos governantes por meio da função equalizadora das normas gerais, que assegura, ao mesmo tempo, a previsibilidade das ações individuais e, por tabela, o exercício da liberdade. Trata-se, assim, de um modo de governar baseado no respeito às leis. É por essa razão que os princípios da legalidade e da impessoalidade da administração estão consagrados no artigo 37 da Constituição.

Naturalmente, para o bom governo não bastam as boas normas, como as do artigo 37 da Constituição. É preciso que sejam cumpridas. É por esse motivo que a impunidade é um fator de erosão do governo das leis e uma modalidade da sua corrupção. Por isso cabe louvar a conduta republicana com que o STF vem lidando com o mensalão.

Numa República as boas leis devem ser conjugadas com os bons costumes de governantes e governados, que a elas dão vigência e eficácia. A ausência de bons costumes leva à corrupção, palavra que vem do latim corrumpere, que significa destruição e vai além dos delitos tipificados no Código Penal. Políbio, tratando dos modos pelos quais um regime político se vê destruído pelo movimento da corrupção, recorre a uma metáfora esclarecedora. A corrupção, num regime político, exerce papel semelhante ao da ferrugem em relação ao ferro ou ao dos cupins em relação à madeira: é um agente de decomposição da substância das instituições públicas.

O espírito público da postura republicana é o antídoto para esse efeito deletério da corrupção. É o que permite afastar a mentira e a simulação, inclusive a ideológica, que mina a confiança recíproca entre governantes e governados, necessária para o bom funcionamento das instituições democráticas e republicanas. É por isso que a afirmação de uma ética republicana não é um "moralismo trivial". Está na ordem do dia no Brasil e no mundo como condição de um bom governo.    
PROFESSOR EMÉRITO DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA USP


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terça-feira, setembro 04, 2012

POIS ENTÃO, DIZIAM (PT E CIA) QUE OS AGRICULTORES ERAM O ATRASO. E AGORA?

Agronegócio, o setor moderno

Terça, 04 de Setembro de 2012, 03h10
Com o maior parque industrial da América Latina e um dos maiores do Hemisfério Sul, o Brasil tem no agronegócio o setor mais dinâmico de sua economia e o principal fator de segurança de suas contas externas. O vigor dessa atividade explica a liderança do Centro-Oeste no crescimento econômico nacional, com expansão de 5,9% nos 12 meses terminados em maio, de acordo com o Índice de Atividade do Banco Central (IBC-Br), calculado mensalmente. Mas convém examinar mais que um dado conjuntural para avaliar a importância dos negócios ligados à agropecuária, a principal fonte de prosperidade em amplas áreas do Brasil.

O amplo conjunto formado pela agropecuária e pela agroindústria começou a destacar-se nos anos 80 - a década perdida. Dívida externa, inflação elevada e enormes desequilíbrios macroeconômicos tornaram aquele período um dos mais duros da história republicana. No meio da crise, no entanto, um setor manteve um notável padrão de crescimento e de transformação. A produção rural havia aumentado com regularidade, graças a alguns acertos e apesar de muitos erros cometidos pelo governo - os mais grotescos, sem dúvida, por meio do controle de preços no Plano Cruzado, em 1986-87.

A crise prolongada interrompeu os programas de investimento e de modernização da indústria iniciados na década anterior, mas a agropecuária venceu os obstáculos, impulsionada pelas oportunidades abertas no Cerrado, pela mudança tecnológica favorecida pelo trabalho da Embrapa e de outras instituições de pesquisa e pelo empenho de empreendedores dispostos a buscar mercados no exterior.

A transformação mais veloz foi a das produções destinadas à exportação, mas acabou contaminando os demais segmentos da agropecuária. Uma das consequências mais notáveis foi a alteração dos preços relativos, com o barateamento da comida. Já no começo dos anos 90 os técnicos responsáveis pelos principais índices de inflação mudaram a composição de seus cálculos, para reduzir o peso da alimentação no orçamento familiar.

A maior parte da agropecuária estava preparada para competir em todos os mercados e, portanto, para enfrentar a abertura da economia no começo dos anos 90. A lavoura mais abalada foi a do algodão, até porque o mercado nacional foi inundado por produto subsidiado. Mas o segmento se recuperou e as lavouras foram modernizadas.

Também a indústria se modernizou, com a adoção de novos processos produtivos, novas tecnologias e estratégias mais adequadas à competição global. Mas a produtividade geral do País continuou baixa. Completado o primeiro ciclo de reformas da era do real, no começo deste século, as inovações de grande alcance foram interrompidas. Milhões de consumidores entraram no mercado, mas pouco se fez para ampliar a capacidade de oferta da indústria, prejudicada por custos institucionais e outros fatores de ineficiência.

O agronegócio, também afetado pelas más condições da infraestrutura e por outras desvantagens brasileiras, continuou competitivo graças a novos investimentos e à eficiência acumulada num longo período. Neste ano, até julho, o valor exportado pelo setor, US$ 53,7 bilhões, foi 4,1% maior que o de um ano antes, enquanto a receita comercial da maior parte da indústria diminuiu. Nesse período, as vendas da agroindústria garantiram 41,1% do total faturado no comércio exterior. O saldo comercial do setor, US$ 44,5 bilhões, foi mais que o quádruplo do superávit geral da balança de mercadorias, US$ 9,9 bilhões.

O saldo comercial do agronegócio cresceu 574,1% entre 1992 e 2011 e continuou positivo mesmo entre 1995 e 2000, quando o conjunto do comércio foi deficitário. O total exportado aumentou 615,3% naquele período, mas com participação decrescente dos manufaturados nos últimos anos. A contribuição do agronegócio teria sido muito diferente se tivessem sido aplicadas as políticas pregadas pelo PT até há poucos anos. Haveria muito menos comida na mesa dos brasileiros e muito menos dólares no saldo comercial.

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domingo, setembro 02, 2012

Herança pesada, por Fernando Henrique Cardoso

Males morais e prejuízos materiais sensíveis para o futuro da nação foram deixados pelos oito anos de governo Lula para a presidente Dilma Rousseff
Fernando Henrique Cardoso
A presidenta Dilma Rousseff recebeu uma herança pesada de seu antecessor. Obviamente, ninguém é responsável pela maré negativa da economia internacional, nem ela nem o antecessor. Mas há muito mais do que só o infortúnio dos ciclos do capitalismo.
Comecemos pelo mais óbvio: a crise moral. Nem bem completado um ano de governo, e lá se foram oito ministros, sete dos quais por suspeitas de corrupção. Pode-se alegar que quem nomeia ministros deve saber o que faz. Sem dúvidas, mas há circunstâncias. No entanto, como o antecessor jogou papel eleitoral decisivo, seria difícil recusar de plano seus afilhados. Suspeitas, antes de se materializarem em indícios, são frágeis diante da obsessão por formar maiorias hegemônicas, enfermidade petista incurável.
Mas não foi só isso: o mensalão é outra dor de cabeça. De tal desvio de conduta, a presidenta passou longe e continua se distanciando. Mas seu partido não tem jeito. Invoca a prática de um delito para encobertar outro: o dinheiro desviado seria “apenas” para o caixa dois eleitoral, como disse Lula em tenebrosa entrevista dada em Paris, versão recém-reiterada ao “New York Times”. Pouco a pouco, vai-se formando o consenso jurídico, de resto já formado na sociedade, de que desviar dinheiro é crime, tanto para caixa dois como para comprar apoio político no Congresso. Houve mesmo busca de hegemonia a peso de ouro alheio.
Mas não foi só isso que Lula deixou como herança à sucessora. Nos anos de bonança, em vez de aproveitar as taxas razoáveis de crescimento para tentar aumentar a poupança pública e investir no que é necessário para dar continuidade ao crescimento produtivo, preferiu governar ao sabor da popularidade. Aumentou os salários e expandiu o crédito, medidas que, se acompanhadas de outras, seriam positivas.
Deixou de lado as reformas politicamente custosas: não enfrentou as questões regulatórias para acelerar as parcerias público-privadas e retomar as concessões de certos serviços públicos. A despeito da abundância de recursos fiscais, deixou de racionalizar as práticas tributárias, num momento em que a eliminação de impostos poderia se fazer sem consequências negativas: a oposição conseguiu suprimir a CPMF, cortando R$ 50 bilhões de impostos, e a derrama continuou impávida.
É longa a lista do que faltou fazer quando seria mais fácil. Na questão previdenciária, o único “avanço” não se concretizou: a criação de uma previdência complementar para os funcionários públicos que viessem a ingressar depois da reforma. A medida foi aprovada, mas sua consecução dependia de lei subsequente, para regulamentar os fundos suplementares, que nunca foi aprovada.
As centenas de milhares de recém-ingressados no serviço público na era lulista continuaram a beneficiar-se da regra anterior. Foi preciso que novo passo fosse dado pelo governo atual para reduzir, no futuro, o déficit da Previdência.
Que dizer, então, de modificações para flexibilizar a legislação trabalhista e incentivar o emprego formal? A proposta enviada pelo meu governo, com esse objetivo, embora assegurando todos os direitos trabalhistas previstos na Constituição, foi retirada do Senado pelo governo Lula em 2003. Agora é o próprio Sindicato Metalúrgico de São Bernardo do Campo que pede a mesma coisa...
Mas o “hegemonismo” e a popularidade à custa do futuro forçaram outro caminho: o dos “projetos de impacto” como certos períodos do autoritarismo militar tanto prezaram. Projetos que não saem do papel ou, quando saem, custam caríssimo ao Tesouro e têm utilidade relativa.
O exemplo clássico foi a formação a fórceps de estaleiros nacionais para produzir navios-tanque para a Petrobras (pagos, naturalmente, pelos contribuintes, seja através do BNDES, seja pelos altos preços desembolsados pela Petrobrás). Depois do lançamento ao mar do primeiro navio, com fanfarras e discursos presidenciais, passaram-se meses para descobrir-se que o custo não fez jus a tanta louvação.
Que dizer dos atrasos da transposição do São Francisco ou da Transnordestina, ou ainda da fábrica de diesel à base de mamona? Tudo relegado aos restos a pagar do esquecimento.
O que mais pesa como herança é a desorientação da política energética. Calemos sobre as usinas movidas “a fio d água”, cuja eletricidade para viabilizar o empreendimento terá de ser vendida como se a produção fosse firme o ano inteiro e não sazonal. Foi preciso substituir o companheiro que dirigia a Petrobras para que o país descobrisse o que o mercado já sabia, havendo reduzido quase pela metade o valor da empresa.
O custo da refinaria de Pernambuco será dez vezes maior do que o previsto; há mais três refinarias prometidas que deverão ser postergadas ad infinitum. O preço da gasolina, controlado pelo governo, não é compatível com os esforços de capitalização da Petrobras. Como consequência de seu barateamento forçado — que ajuda a política de expansão ilimitada de carros com a coorte de congestionamentos e poluição —, a produção de etanol se desorganizou a tal ponto que estamos importando etanol de milho dos Estados Unidos!
Com isso tudo e apesar de estarmos gastando mais divisas do que antes com a importação de óleo, o presidente Lula não se pejou em ser fotografado com as mãos lambuzadas de petróleo para proclamar a autossuficiência de produção, no exato momento em que a produtividade da extração se reduzia.
No rosário de desatinos, os poços secos, ocorrência normal nesse tipo de exploração, deixaram de ser lançados como prejuízo, para que o país continuasse embevecido com as riquezas do pré-sal, que só se materializarão quando a tecnologia permitir que o óleo seja extraído a preços competitivos, que poderão se tornar difíceis com as novas tecnologias de extração de gás e óleo dos americanos.
É pesada como chumbo a herança desse estilo bombástico de governar que esconde males morais e prejuízos materiais sensíveis para o futuro da nação.

Fernando Henrique Cardoso é ex-presidente da República


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sábado, setembro 01, 2012

Biografia: John Locke
Durante os tumultos políticos do século XVII, quando o primeiro programa liberal se desenvolveu, o argumento mais influente pelos direitos naturais nasceu da pena do intelectual John Locke. Ele expressou a opinião radical de que o governo tem a obrigação moral de servir as pessoas protegendo sua vida, liberdade e propriedade; explicou o princípio dos freios e contrapesos para limitar o poder do governo; e defendeu o governo representativo e o estado de direito. Denunciou a tirania e insistiu que, quando o governo viola os direitos individuais, as pessoas têm o direito legítimo de rebelar-se. Estas opiniões foram expressas de forma mais completa em seu famoso Segundo tratado sobre o governo civil, e eram tão radicais que ele jamais ousou assiná-lo (ele assumiu a autoria apenas em seu testamento). Os escritos de Locke tiveram muita importância na inspiração dos ideais liberais da revolução americana, um exemplo que inspirou povos por toda a Europa, a América Latina e a Ásia.
Thomas Jefferson considerava Locke, junto com seu compatriota Algernon Sidney, o mais importante pensador da liberdade. Locke ajudou a inspirar as ideias radicais de Thomas Paine sobre a revolução. Ele entusiasmou George Mason. De Locke, James Madison extraiu seus princípios mais fundamentais a respeito da liberdade e do governo. As obras de Locke fizeram parte da educação autodidata de Benjamin Franklin, e John Adams acreditava que tanto meninos quanto meninas deveriam aprender sobre Locke. O filósofo francês Voltaire chamou Locke de “o homem da maior sabedoria. O que ele não viu com clareza, não tenho esperanças de jamais ver”.
No entanto, ao começar a desenvolver suas ideias, Locke era um acadêmico de Oxford sem nenhuma distinção. Ele tinha uma breve experiência em uma missão diplomática fracassada e era um médico sem as credenciais tradicionais e com apenas um paciente. Sua primeira grande obra não foi publicada até seus cinquenta e sete anos. Asma e outras doenças crônicas o perturbavam.
Não havia muito na aparência de Locke que pudesse sugerir grandeza. Era alto e magro. Segundo o biógrafo Maurice Cranston, tinha um “rosto longo, nariz grande e olhos suaves e melancólicos”. Embora tenha tido um caso amoroso que “roubou-me o uso da razão”, Locke morreu solteiro.
Mesmo assim, alguns de seus contemporâneos notáveis tinham grande respeito por Locke. O matemático e físico Isaac Newton apreciava sua companhia. Locke ajudou o quaker William Penn a recuperar sua boa reputação quando ele se tornou um fugitivo político, assim como Penn conseguira fazer Locke ser perdoado quando ele havia sido um fugitivo político. O famoso médico inglês Dr. Thomas Sydenham descreveu-o como “um homem que, pela agudeza de seu intelecto, pela firmeza de seu discernimento, pela simplicidade, ou seja, pela excelência de seus modos, posso seguramente declarar ter, entre os homens de nossa época, poucos iguais e nenhum superior”.
John Locke nasceu em Somerset, Inglaterra, em 29 de agosto de 1632. Era o filho mais velho de Agnes Keen, filha de um curtidor de couro de uma cidade pequena, e John Locke, um advogado puritano de poucas posses que trabalhava como assistente de juízes de paz.
Locke tinha dezessete anos quando forças a serviço do parlamento enforcaram o rei Carlos I, abrindo caminho para a ditadura militar de Oliver Cromwell. Em 1652, após se formar na prestigiada Westminster School, Locke ganhou uma bolsa para estudar em Christ Church, na Universidade de Oxford, que formava principalmente clérigos. Em novembro de 1665, através de seus contatos em Oxford, Locke foi enviado para uma missão diplomática em Brandenburgo. A experiência foi reveladora, porque Brandenburgo tinha uma política de tolerância de católicos, calvinistas e luteranos, e havia paz.
Durante o verão de 1666, o rico e influente Anthony Ashley Cooper, Conde de Shaftsbury, visitou Oxford. Lá ele conheceu Locke, que então estudava medicina. Cooper, um defensor da tolerância religiosa (exceto para católicos), sofria de um cisto no fígado que corria o risco de infecção e inchaço, e convidou Locke para ser seu médico pessoal. Locke mudou-se para um quarto da Exeter House, mansão de Cooper em Westminster, em Londres. Quando a infecção de Shaftsbury piorou, Locke administrou um tratamento bem-sucedido.
Shaftsbury continuou a empregar Locke para analisar a tolerância religiosa, a educação, o comércio, e outros assuntos relacionados, e, entre outras questões, Locke se opôs aos esforços do governo para restringir as taxas de juros. Locke participava de praticamente todas as atividades de Shaftsbury. Shaftsbury formou o partido Whig, e Locke escreveu cartas para ajudar a influenciar as decisões do parlamento. Shaftsbury ficou preso por um ano na Torre de Londres; e então ele ajudou a passar a lei de Habeas Corpus (1679), que tornava ilegal a detenção pelo governo de qualquer pessoa contra a qual não houvesse acusação formal, e especificava que ninguém poderia ser levado a julgamento duas vezes pela mesma acusação. Shaftsbury apoiou leis de exclusão, cujo objetivo era retirar o irmão católico do rei da linha de sucessão.
Em março de 1681, Carlos II dissolveu o parlamento, e logo ficou claro que ele não pretendia convocá-lo novamente. Consequentemente, a rebelião era a única forma de prevenir o absolutismo da dinastia Stuart. Shaftsbury era o oponente mais perigoso do rei, e Locke estava a seu lado. Ele preparou um ataque contraPatriarcha, or The Natural Power of Kings Asserted [“Patriarcha, ou a afirmação do poder natural dos reis”] (1680), de Robert Filmer, que alegava que Deus sancionava o poder absoluto dos monarcas. O ataque era arriscado, pois poderia facilmente ser alvo de processos judiciais se fosse considerado um ataque contra o rei Carlos II. O autor de panfletos James Tyrrell, que Locke havia conhecido em Oxford, deixou anônimo seu próprio ataque contra Filmer, Patriarcha Non Monarcha or The Patriarch Unmonarch’d [“Patriarcha Non Monarcha ou O patriarca não é monarca”], que apenas deixava implícito o direito de se rebelar contra tiranos.
Locke trabalhou em seu quarto na Exeter House de Shaftsbury, cujas paredes eram cobertas de estantes de livros, baseando-se em sua experiência política. Ele escreveu um tratado que atacava a doutrina de Filmer, negando a alegação de que a Bíblia sancionava tiranos e de que os pais tinham autoridade absoluta sobre seus filhos. Ele então escreveu um segundo tratado, que apresentava um grandioso argumento em prol da liberdade e do direito do povo de se rebelar contra tiranos. Os princípios eram substancialmente derivados de Tyrrell, mas Locke os levou a suas consequencias mais radicais: um ataque explícito contra a escravidão e uma defesa da revolução.
Conforme Carlos II aprofundava sua campanha contra os rebeldes, Shaftsbury fugiu para a Holanda em novembro de 1682, e lá faleceu, dois meses mais tarde. Em 21 de julho de 1683, é provável que Locke tenha visto a Universidade de Oxford queimar livros considerados perigosos em Bodleian Quadrangle. Foi a última queima de livros na Inglaterra. Locke possuía alguns dos títulos condenados e, temendo que seu quarto fosse revistado, escondeu os rascunhos de seus dois tratados com Tyrrell. Ele deixou Oxford, visitou propriedades rurais que havia herdado de seu pai, e fugiu para Rotterdam em 7 de setembro. O governo inglês tentou obter sua extradição, para que fosse julgado, e, presumivelmente, enforcado. Ele adotou o nome de Dr. Van den Linden, e assinava suas cartas como “Lamy” ou “Dr. Lynne”. Prevendo que o governo pudesse interceptar sua correspondência, ele protegeu seus amigos referindo-se a eles por números ou nomes falsos.
Carlos II morreu em fevereiro de 1685, e seu irmão assumiu o trono, tornando-se Jaime II. O novo rei passou a promover o catolicismo na Inglaterra. Substituiu os anglicanos em cargos da igreja e da polícia por católicos, e nomeou oficiais católicos para o exército. Tudo isso foi uma ameaça para os ingleses, que prezavam sua independência tanto do Papa quanto dos reis católicos.
Enquanto isso, Locke, ainda na Holanda, trabalhava em sua obra-prima, Ensaio sobre o entendimento humano, que exortava as pessoas a basear suas convicções em observações e na razão. Ele também escreveu uma carta em defesa da tolerância religiosa (exceto para ateus, que não poderiam fazer juramentos legalmente válidos, e católicos, leais a uma potência estrangeira).
Em junho de 1688, Jaime II anunciou o nascimento de um filho – e surgiu a ameaça de uma sucessão católica. Os Tories, ingleses defensores do absolutismo monárquico, adotaram ideias revolucionárias dos Whigs. O holandês Guilherme de Orange, concordando em reconhecer a supremacia do parlamento, atravessou o Canal da Mancha em 5 de novembro de 1688, e, em um mês, Jaime II fugiu para a França. Esta Revolução Gloriosa garantiu uma sucessão protestante e a supremacia do parlamento sem violência.
Locke retornou à Inglaterra, e ao longo dos doze meses seguintes suas principais obras foram publicadas. De repente, ele se tornou conhecido. Sua Carta acerca da tolerância, publicada em outubro de 1689, opunha-se à perseguição e pedia tolerância para anabatistas, independentes, presbiterianos e quakers. “A Magistratura”, declarou Locke, “não deve proibir a pregação ou profissão das opiniões especulativas de nenhuma igreja, porque elas não têm relação alguma com os direitos civis dos súditos. Se um católico romano acredita que aquilo que os demais homens chamam de pão é realmente o corpo de Cristo, ele não lesa o próximo de forma alguma. Se um judeu não acredita que o Novo Testamento é a palavra de Deus, ele não altera em nada os direitos civis dos homens. Se um pagão duvida de ambos os Testamentos, ele não deve por conta disso ser punido como um cidadão pernicioso”. A Carta de Locke inspirou respostas, e ele escreveu duas outras cartas em 1690 e 1692.
Os dois tratados de Locke sobre o governo também foram publicados em outubro de 1689 (com a data de 1680 na folha de rosto). Embora filósofos posteriores os tenham ridicularizado porque Locke baseava seu pensamento em noções arcaicas a respeito de um estado de natureza, seus princípios fundamentais permanecem. Locke se preocupava com o poder arbitrário, que “se torna tirania, não importando se tal poder é exercido por um ou por muitos”. Ele defendia a tradição do direito natural, cuja história remonta aos judeus antigos: a tradição segundo a qual os governantes não podem, legitimamente, fazer o que bem entenderem, porque as leis morais se aplicam a todos. “A razão, que é esta lei”, declarou, “ensina a toda a humanidade, que precisa apenas consultá-la, que, sendo todos iguais e independentes, nenhum homem deve prejudicar outro em sua vida, saúde, liberdade e posses”. Locke descreveu o império da lei: “viver segundo uma lei estável, comum a todos daquela sociedade, e criada pelo Poder Legislativo da sociedade; Liberdade de seguir minha própria vontade em todas as coisas sobre as quais a lei não disponha, e não estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem”.
Locke explicou que a propriedade privada é absolutamente essencial para a liberdade: “Todo homem tem direito de propriedade sobre sua própria pessoa. A ela ninguém tem direito algum além dele próprio. O trabalho de seu próprio corpo, podemos dizer, pertence a ele… O grande e principal fim, portanto, pelo qual os homens unem-se em sociedades e submetem-se a governos é a preservação de sua propriedade”. Para Locke, as pessoas legitimamente transformam propriedade comum em propriedade privada ao misturar seu trabalho com ela, melhorando-a. Marxistas gostavam de afirmar que isso significa que Locke acreditava na teoria do valor-trabalho, mas ele se referia à origem da propriedade, e não do valor.
Ele insistia que o povo é soberano, e não seus governantes. O governo, escreveu, “não pode nunca ter o poder de tomar para si mesmo o todo ou parte da propriedade dos súditos sem seu consentimento. Pois isso seria efetivamente deixá-los sem propriedade alguma”. Ele explicita ainda mais este raciocínio: os governantes “não podem recolher impostos sobre a propriedade do povo sem o consentimento do povo, expresso por eles mesmos ou seus representantes”. Ele então afirma o direito explícito à revolução: “Quando os legisladores tentam tomar e destruir a propriedade do povo, ou reduzi-lo à escravidão sob poder arbitrário, eles se colocam em estado de guerra com o povo, que está então desobrigado de qualquer obediência e deixado ao refúgio comum contra a força e a violência dado por Deus a todos os homens. Portanto, sempre que o legislativo transgredir esta regra fundamental da sociedade, e, por ambição, medo, loucura ou corrupção, tentar tomar para si ou pôr nas mãos de qualquer outro um poder arbitrário sobre as vidas, liberdades e posses do povo; por essa quebra de confiança ele abre mão do poder que o povo lhe havia concedido para fins bastante contrários, e ele retorna ao povo, que tem o direito de retomar sua liberdade original”.
Para garantir seu anonimato, Locke negociou com o impressor através de um amigo, Edward Clarke, que pode ter sido a única pessoa a conhecer a verdadeira identidade do autor. Locke negou rumores de que ele seria o autor, e implorou a seus amigos para que mantivessem suas especulações em segredo. Ele cortou relações com aqueles que, como James Tyrrell, insistiam em se referir a ele como o autor. Locke destruiu os manuscritos originais e todas as referências às obras em seus escritos. Ele só reconheceu a autoria por escrito em um anexo a seu testamento, assinado poucas semanas antes de sua morte. Ironicamente, os dois tratados quase não receberam atenção durante sua vida. Ninguém nem se deu ao trabalho de atacá-los, como aconteceu com as obras assinadas de Locke sobre religião.
A assinatura de Locke apareceu no Ensaio sobre o entendimento humano, que foi publicado em dezembro de 1689 e fez dele o principal filósofo da Inglaterra. O ensaio desafiou a doutrina tradicional de que o aprendizado consiste apenas da leitura de textos antigos e da absorção de dogmas religiosos. A compreensão do mundo, argumentava ele, exige observação. Ele exortava as pessoas a pensarem por si mesmas, usando a razão como guia. Este ensaio se tornou uma das obras filosóficas mais reeditadas e influentes.
Em 1693, Locke publicou Alguns pensamentos referentes à educação, oferecendo muitas ideias que soam tão revolucionárias hoje como soaram na época. Ele declarou que o objetivo da educação é a liberdade. Ele acreditava que dar um exemplo pessoal é a forma mais eficiente de ensinar valores morais e habilidades fundamentais, e por isso recomendava que as crianças recebessem sua educação em casa. Ele tinha objeções às escolas estatais e apelava aos pais para que estimulassem o gênio único de cada criança.
Francis e Damaris Marsham, amigos de Locke, convidaram-no a passar seus últimos anos em Oates, sua casa de campo em North Essex, a cerca de vinte e cinco milhas de Londres. Ele tinha um quarto no térreo, e um estúdio que continha a maior parte de sua biblioteca de 5.000 volumes. Ele insistia em pagar: uma libra por semana para si mesmo e seu empregado, mais um xelim por semana para seu cavalo. A saúde de Locke piorou gradualmente, e em outubro de 1704 ele mal conseguia levantar-se e vestir-se. Por volta das três horas da tarde de sábado, 28 de outubro, ele faleceu, sentado em seu estúdio em companhia de Lady Marsham. Tinha setenta e dois anos. Foi enterrado no cemitério de High Laver.
Durante a década de 1720, dois autores ingleses radicais, John Trenchard e Thomas Gordon, publicaram as Cato’s Letters [“Cartas de Catão”], uma série de ensaios publicados em jornais londrinos que tiveram influência direta sobre os pensadores americanos. A influência de Locke estava mais aparente na declaração de independência, na separação constitucional de poderes, e na Bill of Rights [declaração dos direitos dos cidadãos].
Na mesma época, Voltaire, o espirituoso crítico da intolerância religiosa, promovia as ideias de Locke na França. O Barão de Montesquieu desenvolveu as ideias de Locke sobre a separação de poderes. A doutrina de direitos naturais de Locke foi incorporada à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas sua crença na separação de poderes e na santidade da propriedade privada nunca fincou raízes na França.
Depois Locke praticamente desapareceu do debate intelectual. Uma reação conservadora tomou a Europa conforme o discurso dos direitos naturais passava a ser associado à rebelião e às guerras napoleônicas. Na Inglaterra, o filósofo utilitarista Jeremy Bentham ridicularizou os direitos naturais, propondo que as políticas públicas fossem determinadas pelo princípio da maior felicidade para o maior número. Mas tanto conservadores quanto utilitaristas ficaram intelectualmente indefesos quando governos exigiram mais poder para roubar, prender, e até assassinar pessoas, pretensamente para fazer o bem.
No século XX, a ficcionista e filósofa Ayn Rand e o economista Murray Rothbard, entre outros, voltaram a fazer vigorosas defesas morais da liberdade baseadas nos direitos naturais, e estabeleceram um padrão moral significativo para determinar se as leis são justas. Eles inspiraram milhões com a máxima de que todas as pessoas, em todos os lugares, nascem com direitos iguais à vida, à liberdade, e à propriedade. Apoiavam-se nos ombros de John Locke.

SOBRE O AUTOR

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Jim Powell, senior fellow do Cato Institute, é especialista na história da liberdade. Seu livro mais recente é Greatest Emancipations: How the West Abolished Slavery.


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E O PT CONSEGUIU PIORAR O QUE JÁ ERA RUIM

A desmoralização da política.

Marco Antonio Villa, O Globo, 28/08/12
A luta pela democracia marcou o século XX brasileiro. Somente em oito dos cem anos é que não ocorreu nenhum tipo de eleição, de voto popular, para escolher seus representantes. Foi durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945). No regime militar as eleições tiveram relativa regularidade, mas sem a possibilidade de o eleitor escolher o presidente da República e, a partir de 1965, dos governadores e dos prefeitos das capitais e das cidades consideradas de segurança nacional. Nas duas décadas do regime militar (1964-1985), a luta em defesa da eleição direta para o Executivo e da liberdade partidária foram importantes instrumentos de mobilização popular.
Com o estabelecimento pleno das liberdades democráticas, após a promulgação da Constituição de 1988, as eleições passaram a ter uma regularidade de dois anos, entre as eleições municipais e as gerais. Deveria ser uma excelente possibilidade para aprofundar o interesse dos cidadãos pela política, melhorar a qualidade do debate e e abrir caminho para uma gestão mais eficaz nas três esferas do Executivo e, no caso do Legislativo, para uma contínua seleção dos representantes populares.
Para um país que sempre teve um Estado forte e uma sociedade civil muito frágil, a periodicidade das eleições poderia ter aberto o caminho para a formação de uma consciência cidadã, que romperia com este verdadeiro carma nacional marcado pelo autoritarismo, algumas vezes visto até como elemento renovador, reformista, frente à ausência de efetiva participação popular.
Desde 1988, está será a décima terceira eleição consecutiva. Portanto, a cada dois anos temos, entre a escolha dos candidatos e a eleição, cerca de seis meses de campanha. Neste período o noticiário é ocupado pelas articulações políticas, designações de candidatos, alianças partidárias, debates e o horário gratuito de propaganda política. Cartazes são espalhados pelas cidades, carros de som divulgam os candidatos (com os indefectíveis jingles) e é construída uma aparência de participação e interesse populares.
Porém, é inegável que a sucessão das eleições tem levado ao desinteresse e apatia dos cidadãos. A escolha bienal de representantes populares tem se transformado em uma obrigação pesada, desagradável e incômoda. Tudo porque o eleitor está com enfado de um processo postiço, de falsa participação. A legislação partidária permite a criação de dezenas de partidos sem que tenham um efetivo enraizamento na sociedade; são agrupamentos para ganhar dinheiro, vendendo apoio a cada eleição. A ausência de um debate ideológico transformou os partidos e os candidatos em uma coisa só. O excesso de postulantes aos cargos não permite uma efetiva comparação. Há uma banalização do discurso. E o sistema de voto proporcional acaba permitindo o aparecimento dos “candidatos cacarecos”, que empobrecem ainda mais as eleições.
A resposta do eleitor é a completa apatia, com certo grau de morbidez. Vota porque tem de votar. Escolhe o prefeito, como agora, pela simpatia pessoal ou por algo mais prosaico; para vereador, vota em qualquer um, afinal, pensa, todos são iguais e a Câmara Municipal não serve para nada. O mesmo raciocínio é extensivo à esfera estadual e nacional. No fundo, para boa parte dos eleitores, as eleições incomodam, mudam a rotina da televisão, poluem visualmente a cidade com os cartazes e ainda tem de ir votar em um domingo.
Para o político tradicional, este é o melhor dos mundos. Descobriu que a política pode ser uma profissão. E muito rendosa. Repete slogans mecanicamente, pouco sabe dos problemas da sua cidade, estado ou do Brasil, a não ser as frases feitas que são repetidas a cada dois anos. O marqueteiro posa de gênio, de especialista de como ganhar (e lucrar) sem fazer muita força. Hoje é o maior defensor das eleições bienais. Afinal, tem muitos funcionários, tem de pagar os fornecedores, etc, etc. Para ele, a democracia acabou virando um tremendo negócio. E é um devoto entusiástico dos gregos, pois se não fosse eles e sua invenção….
Não é acidental, com a desmoralização da política, que estejamos cercados por medíocres, corruptos e farsantes. O espaço da política virou território perigoso. Perigoso para aqueles que desejam utilizá-lo para discutir os problemas e soluções que infernizam a vida do cidadão.
O político de êxito virou um ator (meio canastrão, é verdade). Representa o papel orquestrado pelo marqueteiro (sempre pautado pelas pesquisas qualitativas). Não pensa, não reflete. Repete mecanicamente o que é ditado pelos seus assessores. Está preocupado com a aparência, com o corte de cabelo, com as roupas e o gestual. Nada nele é verdadeiro. Tudo é produto de uma construção. Ele não é mais ele. Ele é outro. É a persona construída para ganhar a eleição. No limite, nem ele sabe mais quem ele é. Passa a acreditar no que diz, mesmo sabendo que tudo aquilo não passa de um discurso vazio, falso. Fica tão encantado com o personagem que esquece quem ele é (ou era, melhor dizendo).
Difícil crer que toda a heroica luta pelo estabelecimento da democracia, do regime das plenas liberdades, fosse redundar neste beco sem saída. Um bom desafio para os pesquisadores seria o de buscar as explicações que levaram a este cenário desolador, em que os derrotados da velha ordem ditatorial se transformaram em vencedores na nova ordem democrática. Enfim, a política perdeu sentido. Virou até reduto de dançarinos. Tem para todos os gostos, até para os que adornam a cabeça com guardanapo.
Marco Antonio Villa é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos.

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